quarta-feira, 8 de abril de 2020


Dia desses telefonei à moda antiga para a Isa, uma amiga querida com que tenho muito em comum. Era final de tarde e resolvi não mandar mensagem por whatsapp, perguntando se ela poderia falar, nem marcar hora para conversar quando desse. Simplesmente peguei o telefone e liguei, como a gente fazia antigamente.

Chamou, chamou, chamou e deu caixa de mensagens.
Preferi não deixar nada gravado e daí sim, mandei um whats dizendo que eu só tinha ligado pra bater papo, que estava com saudades.
Passou a noite inteira, fui dormir, e nada dela.
No dia seguinte, bem cedo, o telefone fez o barulhinho de mensagem e me trouxe a seguinte pérola:

"Oi, querida! Tudo bem? Ju, eu tava super na pegada do chocolate a hora que você me ligou, ontem, não dava pra atender. Tava naquele momento, mesmo! E depois ficou tarde pra eu te retornar. Eu posso te ligar agora?

O que dizer de alguém que não atende o telefone pra não interromper a curtição de comer um chocolate; que se deu um momento de prazer e não vai trocar isso por nada?
E sobre falar a verdade, sem achar que precisa trocá-la por algo que seria mais "importante" e que justificaria mais, como "não deu porque eu tava resolvendo um problema" ou "chegou visita bem naquela hora"?

Mais tarde, quando nos falamos, agradeci a lição que ela me deu sem perceber e contei que tenho prezado muito esse tipo de coisa: foco em momentos de prazer, comer prestando atenção no gosto, fazer uma coisa de cada vez, viver com calma sempre que for possível escolher e não ficar inventando desculpas quando a verdade é muito mais nobre! Sempre (ou quase sempre!) existe um jeito de explicar as coisas sem inventar uma mentira social totalmente desnecessária - coisa que costumamos fazer por hábito - e a sensação de ter sido sincera gera tanta leveza na gente quanto o prazer de comer um chocolate! Sem falar na admiração do outro lado, em quem nos ouve.

Isa, querida, quando eu crescer quero ser "quiném" você! :-)

sexta-feira, 3 de abril de 2020


Naquele domingo, por uma ou duas horinhas que a chuva deu uma trégua, soltei as galinhas para que passeassem um pouco pela grama do jardim, aproveitando um solzinho que passava apertado entre as nuvens. Solto sempre que posso, porque é o ponto alto do dia delas, e toda vez que abro a porta do galinheiro elas correm pra fora animadas, dando saltos, voando baixinho e cantando de felicidade.

No final daquele dia voltou a chover, eu continuei minhas coisas dentro de casa e só quando já estava na cama percebi que não tinha fechado a porta do galinheiro. Certamente as galinhas já estariam todas acomodadas dormindo - elas sabem voltar para a "cama", assim como todos nós - mas é importante fechar a porta para protegê-las de gambás e teiús, dois animais silvestres de hábitos noturnos que ainda temos na região e são loucos por ovos de qualquer tipo.

Caminhei até o galinheiro debaixo de uma chuva fina, e antes de entrar encontrei uma bolota cinza ensopada, bem escostadinho no degrau de entrada. Era Pípalo, nosso galinho tamanho P, que não conseguiu entrar e se acocorou onde pôde, meio abrigado sob a porta aberta, todo molhado e encolhidinho de frio.

Peguei-o no colo, senti seu corpinho encharcado e escolhi um lugar para acomodá-lo no poleiro, entre as galinhas de tamanho maior, para que aproveitasse o calorzinho delas. Voltei para o quarto com o coração apertado, pensando que ele já está vivendo os problemas da idade avançada e preocupada em como um galo velhinho acordaria no dia seguinte, depois de dormir algumas horas na chuva e passar o resto da noite todo molhado.

Para minha sorte, meu coração mole encontrou outro coração mole como companheiro, e depois de conversarmos sobre Pípalo passar a noite molhado concluímos que esse é o tipo de situação que gera arrependimento no dia seguinte. Se ele morresse, nós nos sentiríamos culpados.

Toca levantar, botar sapatos, ligar as lanternas e partir para o resgate de nosso galinho P, que tremia de frio mesmo amparado por penosas bem maiores que ele. E o relógio da parede marcou 11 da noite do nosso domingo "tranquilo" de quarentena quando nos sentamos no escritório para secar um galo com secador de cabelos.


Com uma manta velha no colo, Flop deu show de carinho secando Pípalo em pontos-chave, como debaixo das asas, nuca e cabeça. Conforme o topete molhado e despencado voltava a ficar arrepiado, o galinho ganhava um pouco mais de dignidade e fazia pequenos movimentos, se recompondo.

Ficamos ali uns bons trinta minutos, até termos certeza de que todas as penas estavam praticamente secas e de que ele conseguiria passar a noite com um pouco de conforto. Montamos um ninho com panos de cachorro e improvisamos um cobertor com um trapo limpinho, algo leve de que ele poderia se livrar se estranhasse muito.


Dormimos com a sensação de ter feito com capricho a nossa parte, e no dia seguinte tínhamos um galinho recomposto. Não estava 100%, era verdade, afinal, cada dia (e cada noite fria) que passa pesa um pouco mais na conta de quem já está velhinho. Mas que diferença fizeram o calor de um colo, de um secador de cabelo e de uns panos de cachorro na vida de um galo!

quinta-feira, 2 de abril de 2020


A primeira coisa em que pensei quando acordei foi que aquele seria nosso primeiro dia realmente em isolamento. Era o segundo domingo de quarentena e estava chovendo lá fora. Não daria pra trabalhar na horta, pintar as paredes da obra recém acabada, cortar a grama nem reformar os vasos da varanda, coisas que temos feito em época de isolamento social.

Só que em sítio, ao contrário do que muita gente pensa, a vida não é tão tranquila quanto parece. Principalmente quando você tem - e faz questão de manter - muitas vidas dentro dele.
Ainda não tinha terminado a manhã quando o funcionário que mora aqui conosco veio avisar que tinha um tatu nadando dentro do lago, sem conseguir sair.

Nosso lago na verdade é um tanque artificial, um reservatório de água da chuva. Um grande e fundo retângulo cavado na terra e forrado com plástico. Duas camadas de tela grossa (imagine um mosquiteiro reforçado) protegem o plástico de furos feitos pelos cachorros, que sempre entram pra nadar. E de tatus também, que eventualmente vão parar lá dentro.

Flop tem um sentimento especial por tatus. Ele diz que são bichos amistosos e ingênuos, sem maldade, e que não fazem mal a ninguém. Já aconteceu de um deles acompanhá-lo, lado a lado, numa caminhada aqui pelo sítio, em direção à matinha que protege nosso brejo. E foi por esse sentimento de amizade que, assim que soube da notícia, ele deu um pulo do sofá e foi logo vestir a sunga.

Já temos alguma prática com o protocolo: quando o nível da água está baixo e não da pra fazer o resgate pelas bordas, é preciso entrar no lago, pegar o tatu, colocá-lo numa caixa, içar a caixa pra então transportar o bicho e soltá-lo num lugar melhor. Desta vez ainda houve um detalhe a mais: o tatu, com suas super unhas de cavar, furou a primeira tela e entrou por baixo dela, ficando ainda mais preso. Mas com calma e experiência nosso Tarzan particular deu conta do resgate (com o apoio de sua Jane, que trabalhou na retaguarda!), e em poucos minutos o tatu descansava aliviado, todo molhado, dentro de um engradado. Um pouco mais tarde foi solto na matinha do brejo, nossa área isolada e protegida, que recebe os animais silvestres que aparecem aqui em volta de casa.

Ótimo. Tudo tranquilo e calmo, todos vivos e salvos, e então pudemos voltar ao nosso domingo de quarentena.
Só que, sempre que levanto essa "lebre" do sossego, a vida me responde levantando de volta uma plaquinha que diz "Tsic, tsic, tsic. Tem mais. Você está sendo requisitada para..." E então no fim do dia, bem na hora de dormir, já na cama, me lembrei que não havia fechado a porta do galinheiro, para a segurança das galinhas durante a noite.

Toca levantar, ligar a lanterna, sair de pijama mesmo e caminhar sob as estrelas com as três cadelas acompanhando, pra encontrar, bem na entrada do galinheiro...
Amanhã eu conto! :)