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quarta-feira, 8 de abril de 2020


Dia desses telefonei à moda antiga para a Isa, uma amiga querida com que tenho muito em comum. Era final de tarde e resolvi não mandar mensagem por whatsapp, perguntando se ela poderia falar, nem marcar hora para conversar quando desse. Simplesmente peguei o telefone e liguei, como a gente fazia antigamente.

Chamou, chamou, chamou e deu caixa de mensagens.
Preferi não deixar nada gravado e daí sim, mandei um whats dizendo que eu só tinha ligado pra bater papo, que estava com saudades.
Passou a noite inteira, fui dormir, e nada dela.
No dia seguinte, bem cedo, o telefone fez o barulhinho de mensagem e me trouxe a seguinte pérola:

"Oi, querida! Tudo bem? Ju, eu tava super na pegada do chocolate a hora que você me ligou, ontem, não dava pra atender. Tava naquele momento, mesmo! E depois ficou tarde pra eu te retornar. Eu posso te ligar agora?

O que dizer de alguém que não atende o telefone pra não interromper a curtição de comer um chocolate; que se deu um momento de prazer e não vai trocar isso por nada?
E sobre falar a verdade, sem achar que precisa trocá-la por algo que seria mais "importante" e que justificaria mais, como "não deu porque eu tava resolvendo um problema" ou "chegou visita bem naquela hora"?

Mais tarde, quando nos falamos, agradeci a lição que ela me deu sem perceber e contei que tenho prezado muito esse tipo de coisa: foco em momentos de prazer, comer prestando atenção no gosto, fazer uma coisa de cada vez, viver com calma sempre que for possível escolher e não ficar inventando desculpas quando a verdade é muito mais nobre! Sempre (ou quase sempre!) existe um jeito de explicar as coisas sem inventar uma mentira social totalmente desnecessária - coisa que costumamos fazer por hábito - e a sensação de ter sido sincera gera tanta leveza na gente quanto o prazer de comer um chocolate! Sem falar na admiração do outro lado, em quem nos ouve.

Isa, querida, quando eu crescer quero ser "quiném" você! :-)

quinta-feira, 26 de março de 2020


Em 2009 comecei um blog porque sentia vontade e certa urgência de conversar sobre inquietações ecológicas, sugerir ideias e mostrar mudanças de hábitos que vinha experimentando em minha própria vida diária.

Em 2019, quem diria, inaugurei a Escola Orgânica Holambra, uma escola de educação ambiental, porque com o passar de 10 anos mudando hábitos e pesquisando uma vida mais consciente, me pareceu urgente ensinar as lindezas que descubro todos os dias, mostrar que o contato com ambientes naturais só traz coisas boas (mesmo quando elas são difíceis) e que, apesar de já falarmos em consciência ecológica há pelo menos 20 anos, ainda temos muito a aprender e a ensinar; e escola é isso, uma via de mão dupla.

Estamos em março de 2020. Mal inauguramos a escola e já tivemos que entrar em recesso. Estamos todos em compasso de espera e proteção, tentando nos isolar de um vírus.
E para onde voltou a minha vida? Outra vez para a horta, para a pesquisa de novos hábitos, para o escrever, para o fotografar... E para o De Verde Casa.

Voltei ao blog, meu registro de descobertas, para agradecer tudo o que veio através dele.
Era um caderno com fotos e acesso livre pra quem quisesse ler. Eu escrevia e recebia visitas.
Pois veio muito mais do que eu jamais imaginei.
Ganhei amigos e uma nova família - hoje peças fundamentais na minha vida -, novos trabalhos, uma nova cidade para viver, novos interesses, novos projetos...quanta coisa! Mudou tudo, tudo, tudo.

A gente às vezes se envolve em pequenas coisas e não pode imaginar que elas talvez sejam o buraquinho da fechadura do portal para um mundo novo. Que se insistirmos em enfiar a chave ali, se dermos as voltas completas pra destravá-la e depois tivermos a coragem de pressionar a maçaneta e abrirmos uma frestinha... Uau!

Que nesse momento de isolamento em casa você possa se dedicar a algo que te chama e a que você tem respondido "agora não da, agora não da". Você diz que é por falta de tempo, mas no fundo sabe que falta mesmo é coragem. Talvez eu esteja escrevendo isso para mim mesma, me desculpe se te uso como pretexto, mas quem sabe não aproveita a oportunidade, pega na minha mão e vamos juntos?

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Carnaval no jardim

Flores, Arthur (que nem veio pra almoçar mas não resistiu, Marcos e Neide)

No domingo, repetindo pela terceira vez o que eu já chamo de tradição desde a segunda, nos encontramos Neide, Marcos, Flores e eu para ao menos um dia juntos durante o carnaval. Nos anos anteriores fomos ao sítio deles carregados de plantas para enriquecer a diversidade por lá - plantas são o nosso assunto. Desta vez eles vieram a Holambra, no nosso sítio, carregados de comidinhas, folhas e flores secas para chá, frutinhas para sobremesa, maracujá para semear… comidas são o assunto deles.

Não houve muito planejamento, mas eu e Neide trocamos por celular algumas mensagens sobre fazer macarrão caseiro colorido. Minha irmã Mari, a Mariana Valentini da Brodo Rosticceria, fez lindas gravatinhas coloridas para o carnaval que eu só vi pelo Instagram mas que me inspiraram bastante. Comer é uma delícia, e comer comida bonita é melhor ainda. Em boa companhia então…

Pois ficou combinado que almoçaríamos massa. A Neide, sempre muito prática e animada, ofereceu de trazer a máquina e flores azuis de Clitoria ternatea para testarmos a cor na comida. Eu botei na roda a primeira moranga colhida este ano no jardim e beterrabas, assim teríamos três cores no prato.


Só que das caixas vindas da cozinha do blog Come-se saíram muito mais do que ingredientes para chás e macarronada. Veio uma tigelona de coxas de frango para os que comem carne, uma boa fatia de melancia, um punhado de siriguelas, maracujás de duas espécies para sucos e mudas, uma metade de limão siciliano que só hoje encontrei esquecida na geladeira… É interessante como para quem trabalha com comida é tudo muito simples. Rapidinho junta-se uma coisa com outra com outra e com outra e vai a assadeira cheia para o forno. O processador de alimentos (que também veio na mala) em um instante transforma tomate fresco com melancia e temperos em um delicioso gazpacho pra comer como entrada. E enquanto eu fico pensando se é melhor juntar dois disso com três daquilo ou ao contrário, a Neide já bateu a massa de abóbora e eu nem vi como ela fez.

O gazpacho ficou delicioso. Acho que
quero ter um processador de alimentos...

Uns minutos depois já estavam prontas três bolas de massa: a azul clarinha, colorida com flores de Clitoria ternatea; a amarela, feita com abóbora moranga e uma roxinha linda, de beterraba. O próximo passo era instalar a máquina numa superfície grande pra trabalhar, e a despeito das moscas e dos cachorros de plantão, Neide escolheu montar a traquitana toda lá fora, na grama, sob a sombra da Teca.

No melhor estilo gambiarra, com cadeiras viradas sobre a mesa e um pedaço grande de cano de pvc, foi montado um varal para secar os fettuccines, e num minuto em que deixei a cozinha para ir ao banheiro ouvi risadas e fui chamada às pressas. Corre, vem fotografar! Não sei muito bem como aconteceu, mas em questão de segundos a primeira leva de massa de abóbora escorregou do varal de cano e foi parar na grama, e em mais um piscar de olhos os três cachorros devoraram aquilo tudo.


Depois das melhorias no varal para evitar futuras perdas vieram lindos fettuccines azuis e roxos combinando com a camiseta da cozinheira, e comemos nossa macarronada com molhinhos de manteiga e sálvia e de tomate, junto com as coxas de frango e fatias de abóbora assadas com temperinhos da horta. Isso é que é almoço de domingo!



Marcos, o companheiro que acompanha,
espantava moscas e ajudava na produção da massa





Hoje acordei pensando em contrastes.
A massa foi a Neide que fez e o molho fui eu, com tomates pelados de lata mas quase sem processamento industrial. A manteiga era de pacote mas a sálvia é produção da casa. Os corantes da comida eram totalmente naturais: beterraba, abóbora do quintal e flores da horta da Neide. Comemos na mesa sobre a grama, debaixo de uma árvore bonita, com moscas e cachorros por perto, sem muitos problemas.

Agora pense em alguém que more num apartamento. Pode ser você, pode ser eu, que já fui muito urbana. Essa pessoa acorda lá no alto, décimo segundo, vigésimo quinto andar. Olha pela janela só pra saber se faz sol ou se chove e se enfia rápido numa roupa, café solúvel numa mão, bolacha de pacote na outra. Pega o elevador com o vizinho que nem responde o bom dia e aperta o G3, a garagem mais do alto. Entra no carro, afivela o cinto e logo se entala no trânsito; cinquenta minutos pra chegar ao trabalho. O prédio de escritórios fico no topo de um shopping, daqueles com muitos níveis de garagem. De novo o G3. Estacionamento cheio, vaga apertada, elevador lotado, a mesa tomada de pilhas de papel e um monte de e-mails para responder. Na hora do almoço a praça de alimentação salva: um salgado frito com refrigerante diet, porque não vai dar tempo de almoçar direito. De tarde telefone, computador, reunião no ar condicionado, cafezinho da máquina no copinho plástico, mais computador, mais telefone… Acaba o expediente e o dia termina como começou, só que ao contrário: mesa ainda tomada de papéis e os e-mails a responder, elevador lotado, vaga do carro apertada, fila pra passar pela cancela do estacionamento, uma hora e vinte no trânsito até chegar em casa, G3, elevador com os vizinhos… e chega o momento relax: um banho quente (mas rápido por causa do rodízio de água), pijaminha de malha feito de fio de garrafa PET (sustentável) e um jantarzinho leve (salada hidropônica com nuggets de vegetais e um chá gelado, daqueles de misturar o pozinho na água. Sabor pêssego).

Essa pessoa (eu, você, alguém da sua família) não colocou o pé na Terra! Não digo descalço, na terra terra, aquela que tem minhocas, falo do planeta Terra! O dia inteiro se passou no alto, em andares de cimento. Os deslocamentos foram dentro do carro, as garagens eram elevadas, o almoço foi na praça de alimentação do shopping... Essa criatura não pisou numa calçada que seja, muito menos em um só metro quadrado de grama. Capaz que não tenha reparado no céu, não escutou um pio de pomba e nem comida de verdade comeu. Nem bebida de verdade bebeu! E pelo que me consta não inventei nenhum absurdo, nada que eu, você e seus conhecidos não tenhamos feito muitas e muitas vezes em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte…

Antes que você me chame de Pollyanna, deixe-me dizer que não acho que tenhamos todos que nos mudar para ecovilas, plantar nossa própria comida, costurar nossas próprias roupas, vender nossos carros… Adoro dirigir, uso computador todos os dias, tenho pilhas e pilhas de papel sobre a mesa e dezenas de e-mails a responder, mas tenho tentado andar pelo caminho do meio. Planto horta (quando morava em São Paulo plantava em vasos), sento na grama com os cachorros no colo, como comida de verdade feita por mim em oitenta por cento das refeições, boto um tênis e vou correr na rua e tento, diariamente, melhorar minhas escolhas. Já morei em diversos lugares diferentes, já trabalhei com coisas saudáveis e com insalubres também, e a cada dia que passa acho mais importante e prazeroso o contato diário com a Terra. E mais: não conheço ninguém que tenha feito o caminho contrário sem ao menos cultivar um plano de, no futuro, voltar às raízes.

É um caminho sem volta. Quanto mais a gente planta, mais quer plantar. Quanto mais pensa na comida, mais se dedica a fazê-la saudável. Quanto mais põe a mão na terra, senta na grama e corre na rua, mais sente falta disso tudo quando por algum motivo não pode fazer. E tem mais uma coisa bem interessante: a gente começa a se relacionar com pessoas que fazem o mesmo, que pensam igual, que andam pela mesma trilha sem querer voltar pra trás. É o caso da minha amizade com a Neide. Quando eu morava em São Paulo, trabalhava muito perto da casa dela e era um pouco aquela pessoa que não tinha tanto contato com a Terra, a gente não se conhecia. Agora que ficamos amigas, pergunta se eu quero passar um Carnaval sem ela???

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

As vacas e as banheiras


Aqui bem perto do sítio tem um lugar por onde passo quando vou buscar retalhos de ferro de construção na d. Neila. É uma estradinha de terra que sai da estrada de asfalto do sítio onde moro e não é usada como passagem para lugar nenhum, apenas acesso aos sítios vizinhos. É uma área ainda mais rural do que a minha, porque além da terra na estrada tem vacas, e nada mais rural do que vacas, você há de concordar comigo.

Já passei por aí diversas vezes, estou cansada de conhecer a paisagem, mas acho que em nenhuma das passagens deixei de parar o carro pra dar uma olhada com calma, uma curtida. Aquele ar bucólico, as vacas, as banheiras... Sim, banheiras!



O sitio é de uma família holandesa de produtores de leite, e é óbvio que as vacas são holandesas. Até aí, interessante, bonito de ver, mas sem novidades. O legal mesmo são as banheiras. Dezenas e dezenas de banheiras antigas enfileiradas, uma ao ladinho da outra, servindo de coxo às vacas. Dependendo do horário em que passo as vacas estão comendo ou os coxos estão vazios e as vacas preguiçando no sol ou na sombra - sempre todas juntas. E é nesse momento que a cena fica inusitada. Uma fila de banheiras vazias ao sol, sobre a terra, e um monte de vacas deitadas ao lado.


Eu SEMPRE paro o carro. As vacas me olham, eu olho as vacas… elas devem pensar qual é o problema? Essa moça nunca viu vacas ou nunca viu banheiras?
Depois de alguns minutos eu sigo. Sorrindo. Adoro essas cenas! 

Mais pra frente é menos inusitado mas também é bonito. Até outro dia tinha plantação de sorgo, que agora já está colhido 


e tem um campo permanente de roseiras, já de redinhas nos botões pra que as flores cheguem bonitas na floricultura.


E ontem passei por algo diferente: uma capivara seca e achatada. Não sei como isso foi acontecer, só sei que ela estava lá, no meio da estrada, plana como uma folha de papel.


Depois disso está o terreno da d. Neila. Logo conto sobre ela e seu trabalho árduo com entulho e lixo reciclável. 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Cegonha


Ninguém sabe a hora exata, mas no último domingo, 21 de setembro - o dia da árvore! - chegaram no bico da cegonha os bebês sabiá que a gente tanto esperava. Mudamos os hábitos de entrada e saída aqui de casa por causa deles; uma porta foi interditada, uma cortina foi improvisada e até silêncio a gente faz pra não assustar essa familiazinha.

As cascas dos ovos sumiram (mamãe gosta da casa limpinha) e no lugar deles agora crescem essas duas criaturinhas magrelas e ossudas, de penacho nas costas e grandes olhos pretos saltados e ainda fechados.

Ontem eu e D. Sabioca fizemos um trato: todos os dias às 8:30 da manhã ela dá uma saidinha pra esticar as asas e eu rapidinho faço fotos pra registrar o desenvolvimento das crianças. Aí em cima vai a imagem das primeiras 24 horas vencidas, e quando tiver um álbum bem recheado volto para mostrar e deixo todo mundo folhear.

Veja aqui o começo dessa história.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Saindo pra olhar lá fora

Ana Soares, Neide Rigo e Mara Salles
abrindo a aula "O que é que tem de mistura"

Nesse final de semana deixei a vida de sítio pra tomar na veia uma dose de São Paulo, que eu adoro. E apesar de também adorar dirigir em estrada (boa, como a Bandeirantes) ouvindo música no carro, dessa vez tive vontade de ir de ônibus, aproveitando ser levada. Isso tem um pouco clima de filme, acho. A viagem de ônibus, depois o metrô, um taxi pra chegar na casa da Mari, onde fiquei hospedada… Sem falar na economia de dinheiro, de pneu, de combustível, e na curtição de ler em trânsito.

Fui pra assistir aulas no evento Paladar - Cozinha do Brasil. Essa foi a oitava edição e eu nunca tinha ido. Não é o meu ramo mas tem um tanto de coisas interessantes, sem falar no meu motivo principal: aulas da Neide. A Rigo. Do Come-se.

No sábado teve ela junto com a Mara Salles, do Tordesilhas, e a Ana Soares do Mesa 3. Falaram sobre "o que é que tem de mistura", o que vai junto com o arroz e feijão em cada região do Brasil, em cada mesa, em cada família. O termo mistura, que já dá margem a diversas interpretações, mais as memórias afetivas de cada uma - o que a mãe fazia, o que o pai preferia, o que a criança podia, queria e não queria - renderam assunto pra quase duas horas, encerradas solenemente com o privilégio da degustação de tudo o que elas trouxeram para mostrar.

Um tanto de gente tentando se servir
na degustação de misturas

No domingo foi a vez da Neide sozinha (porque ela é espetacular e sobra!) mostrar e falar sobre ervas aromáticas não convencionais. Foi bom demais. Além de interessante a aula foi bonita, porque ela caprichou na apresentação fazendo a bancada de cozinha parecer um balcão de alquimista. Aliás, pareceu não, foi mesmo uma bancada de alquimista, porque ela brincou de acidificar (com limão) uma infusão de flor de feijão borboleta pro líquido ficar lilás, depois voltou o lilás pro azul original misturando bicarbonato de sódio… toda essa química pra mostrar possibilidades de chás e refrescos.

Tinha vidros e frascos de todos os tamanhos acondicionando folhas, flores e frutos, a maioria que a gente nunca nem ouviu falar; e ela falando daquilo com uma intimidade, como se fosse possível encontrar tudo em qualquer esquina. Na verdade quase é, porque muitas das coisas são matos, matos mesmo, desses que nascem em rachadura de calçada em qualquer cidade. A buva, por exemplo, vira um pesto picante delicioso; o picão branco rende um caldinho gostoso que sabe a alcachofra; a erva de santa maria - chamada de epazote no México - pode ser usada no feijão pra diminuir a produção de gases no intestino (o seu intestino, não o do feijão) e o próprio feijão borboleta, que dá o chá azul, parece que agora está na moda nos Estados Unidos, por seus efeitos medicinais. O foco da aula era ervas aromáticas, mas como disse a Neide, praticamente todas as aromáticas também têm efeito medicinal, então usar dá sempre bônus.

E pra não dizer que foi só de ver e ouvir, teve de comer também. Experimentamos mingauzinho de araruta com macassá, pacová - o cardamomo brasileiro - salpicado sobre pedacinhos de abacaxi maduro (espetacular!), refresco de hibisco com gerânio aromático fermentado com kefir de água… vinha um potinho atrás do outro e as pessoas se olhavam com caras maravilhadas, fazendo hums e ohs, curtindo uma novidade atrás da outra.

A Neide e sua bancada de alquimista

Por isso eu adoro fazer cursos. A internet é muito boa, livros são imprescindíveis, mas um bom bate papo ao vivo, ainda mais com demonstração e degustação, têm outro gosto. Literalmente, neste caso. Acho que eu nunca teria experimentado diversas das espécies de "matos" que já li por aí se não fosse num evento assim.

Além disso encontrei as queridas Silvia e Sabrina Jeha, do viveiro Sabor de Fazenda, que não via há tempos, conheci um tanto de gente interessante, combinei de fazer e receber visitas diversas pra conhecer mais lugares novos…

Mudar pro interior é muito bom mas não dá pra ter preguiça de sair pra ver o mundo, senão tudo fica muito pequenininho. Sem falar que São Paulo pode ter todos os piores defeitos do mundo mas também tem muita gente boa, coisa boa, novidade boa...

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Razão e sensibilidade

Quatro metros de pura energia produtiva

Adoro quando conheço gente do campo, da roça mesmo, de verdade, aquelas pessoas que passaram a vida cultivando de tudo e têm uma rara sensibilidade em relação à natureza e todos os seus assuntos.
Hoje veio aqui no sítio um senhor assim. Baixinho, já foi saindo do carro sem nem perguntar se os cachorros são bravos - todo mundo pergunta. Quando questionei se não tinha medo ele me disse que se fossem bravos eu não os teria deixado soltos quando o convidei a entrar. Alem disso, "dá pra ver na cara deles que são tranquilos".

Tranquilidade tinha ele, paranaense nascido em 1940, com uns olhinhos vivos já olhando em volta, pesquisando as árvores do meu quintal. Seu Teresiano. Veio de Limeira até aqui especialmente para me trazer os saquinhos plásticos que encomendei para plantar mudas. Não nos conhecíamos ainda, foi meu primeiro pedido depois da indicação do amigo Edilson Giacon.

Descarregamos a mercadoria, chamei-o a ver o viveiro, as mudas, e no caminho fomos conversando. Contei que a produção de árvores nativas tem só três anos apesar do sítio ser um dos primeiros da Holambra, que foi de um dos fundadores da cidade etc, e ele me perguntou: como vocês estão de água? Falei do único poço que nos abastece, que a água baixou quase 50% em comparação com períodos de chuva, que estamos racionando… Água é a preocupação de todo mundo no momento. Nossa e dele também.

E num certo momento ele parou em frente à minha amoreira: você rega sempre essa árvore? Na verdade nunca, seu Teresiano. Pra não mentir, coloquei bastante água nela no último domingo, já que está carregada e não quero perder as frutas. Por que?

Ele me chamou a atenção para como ela está bonita, com um verde vivo, exuberante, além da enorme quantidade de frutos amadurecendo. "Nessa seca, se ninguém rega, isso é sinal de que tem umidade aí embaixo. Eu tenho uma dessa que esse ano não produziu nada."

Sábio homem. Sem saber ele acabava de me dar uma dica de algo que estamos procurando já há tempos: temos um vazamento de água em algum lugar de um cano que sai da caixa d'água e passa por uma grande área, abastecendo as torneiras do jardim ao redor da casa. Já escavamos inúmeros buracos pelo quintal e o cano sempre aparece intacto, ou seja, nada de achar o vazamento. A amoreira está a cerca de 1,5 metros do caminho do cano; pode estar bebendo dele. Ainda não é uma árvore grande nem tem raízes agressivas, portanto não é responsável pela ruptura. Muito pelo contrário: é uma muda nova, tem apenas 3 anos e vem crescendo muito rápido. Ao que parece tem irrigação particular.

Que diferença faz um olhar atento que interpreta e deduz! A gente estuda, pesquisa, assunta por aí, mas sem observação, sensibilidade e experiência nunca seremos completos.

Algumas já roxas, muitas vermelhas e outras ainda verdes



Enormes e deliciosas

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Interditado. Favor usar a outra porta


Interdita-se rua no dia da feira, pra passagem do bloco de carnaval, remendo no asfalto, poda de árvore, reparos na fiação elétrica, troca de lâmpada do poste, quando o piano vai subir pela janela, o viaduto vai ser demolido, quando vai ter show, desfile cívico, corrida de rua, passeata, quando houve acidente de carro, quando vai passar autoridade…

Evento importante é mais do que justificativa e não tem discussão. Portanto, já que Sabioca escolheu meu vaso de samambaia pluma pra produção da filharada da primavera, foi interditada a porta sul desta residência.

Desde segunda-feira dia 8 de setembro a entrada é só dela, já que não conseguiu conviver conosco cruzando pra lá e pra cá pela porta. Durante a confecção do ninho passávamos de fininho, tentando mostrar a ela que suas instalações eram muito bem vindas assim tão próximo das nossas, mas não teve jeito. A moça se estressava e abandonava a obra cada vez que um de nós punha a mão na maçaneta. A escolha do local deve ter sido feita num final de semana, quando quase ninguém entrou nem saiu, mas bastou amanhecer o primeiro dia útil da semana pro ambiente se mostrar menos sossegado do que ela imaginava.

Mas tudo bem, por sorte dela temos outras duas opções de passagem e somos verdadeiros entusiastas da convivência pacífica e harmoniosa entre todos os seres, então passou-se a chave na fechadura e pronto. Só que mãe em período de "gestação"... sabe como é. Mesmo nosso trânsito dentro de casa a assustava, então foi necessária mais uma providência:


Um quadrado de tecido foi pendurado fazendo as vezes de cortina e separando a vida dela da nossa. Uma pena. Agora tenho monitorado à distância os acontecimentos do ninho, e vez ou outra vejo pelo quintal que ela saiu pra se alimentar, então subo num banquinho e espio lá dentro. Por enquanto, só ovos. Dizem os entendidos que são 13 os dias de choca. A conferir, no 20 de setembro.


sábado, 13 de setembro de 2014

O prazer dos resultados

Laeliocathleia paulistana vivendo no interior

Lembro de momentos aqui no sitio em que quase todos os dias eu olhava para os lados e imaginava coisas diferentes do que via. Queria tirar o mato dali e plantar umas flores, mudar esse vaso daqui e colocar a planta direto na terra, dar uma limpada na galharada acumulada no chão e replantar a grama, escolher um bom lugar para os meus vasos de ervas…

Vim morar num lugar por onde já passou muita gente, e cada um cuidou da casa e do jardim a seu gosto, claro. Há coisas lindas que ficaram - grandes árvores que produzem nozes, frutas e flores, a própria casa, a matinha -  e outras que desde o início eu queria mudar, ou construir, ou melhorar. Um dia, conversando com um dos vizinhos, ouvi que sítio é assim, tem sempre o que fazer.

Muitas vezes isso me desanimou, porque se a manutenção já é trabalho permanente, o que dizer de quando você acaba de chegar e, além de ter que tomar pé de tudo, ainda tem vontade de fazer o lugar ter mais a sua cara?

Mas aí o tempo foi passando, fui fazendo um pouco de cada vez (ou muito, tudo ao mesmo tempo!), e o ambiente foi mudando. O pezinho de amora que plantei quando cheguei de repente virou uma árvore mais alta que eu; a samambaia gostou do lugar novo e começou a brotar; as orquídeas grudaram nas árvores e já dão flores; os ipês e a jabuticabeira florescem pela terceira vez desde que estou morando aqui, os vasos de ervas e hortaliças estão lindos...

Lógico que ainda falta muito o que fazer - muito mesmo - mas o prazer de andar por aqui e ver pequenos e grandes resultados é indescritível. Nessa hora a gente sente que valeu a pena ter encarado o desafio e aprende que é preciso ter muita paciência. Nada se transforma do dia para a noite e nem teria graça se fosse assim.

Sempre fui imediatista, queria tudo pronto agora, rápido e de preferência fácil. Participaria numa boa de vários daqueles programas de transformação que a gente vê na televisão: você sai de casa e quando volta sua salinha modesta virou um ambiente de revista descolada. Seu jardim, tomado de mato, se transformou num mini jardim botânico particular com laguinho, herbário, orquidário, chaise longue pra ler o jornal de domingo...

Só que na vida real tudo tem seu ritmo, inclusive eu, que hoje percebo que preciso de um tempo olhando um lugar, um ambiente, uma parede ou uma planta para saber o que fazer com aquilo. Capaz que exista gente que decide rápido, mas eu preciso amadurecer as ideias e "ouvir" o que o lugar ou a coisa tem a me dizer. Aprendi que quando respeito esse tempo o resultado me deixa feliz porque veio realmente de mim. É a minha cara, a minha assinatura, e tem a ver com o resto de tudo o que tenho. De outra forma seria um copia e cola de referências, bonitas talvez, mas com assinaturas estrangeiras.

Também percebi que coisinhas que ganhei de amigos queridos e visitas que ficaram por um dia ou por muitas semanas, hoje formam um quebra-cabeças super interessante de memórias que não poderia ter sido montado de outro jeito. O mesmo acontece com objetos que fui juntando ao longo do tempo. O açucareiro de barro com florzinhas da Neide, as micro orquídeas da Carol, as cerâmicas da Cynthia, as pedrinhas que trouxe do Chile, a ferradura que encontrei enterrada na horta… Tudo isso faz parte da história da minha vida e da minha casa.

Continuo com mil planos, inclusive de melhorar o que fiz e não deu muito certo, mas já colho como resultado presentinhos vindos de todos os lados e estou feliz.

Ipê branco florido,
com cara de cerejeira do Japão,
com cara de flocos de neve.

Amora gigante. Plantei um pezinho de 50 cm, em três anos chegou a 4 metros.

Mini phalaenopsis, presente da Carol

Dendrobium fimbriatum var. oculatum 

Jabuticabeira de meio século que dá espetáculo todos os anos

Tomates em vaso, muito fáceis de cultivar

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Lixo no quintal dos outros é refresco


Nada como ter o problema perto, muito perto de você, para tratá-lo com seriedade.

A área rural onde moro fica a 3 km do centro da cidade. É perto, e isso me agrada porque não é preciso fazer longas viagens para ir ao banco, ao supermercado e outros lugares onde a gente vai sempre. Mas na nossa porta não passam o carteiro nem o lixeiro. O problema da correspondência é facilmente resolvido com o aluguel de uma caixa postal na agência da cidade, mas o do lixo…

A solução é a mesma de quando não existia lixeiro passando na porta de ninguém: um buraco no quintal. Cava-se o mais fundo possível e no entorno da boca do buraco vai uma paredinha de tijolos, para evitar o acesso de ratos e cachorros. Algo de 80 cm de altura. Nos mais de 60 anos em que existe o sítio, o buraco do lixo já foi em diversos lugares. Isso porque com o passar do tempo ele vai enchendo, e um dia é necessário encerrá-lo para abrir um novo.

Se tivéssemos visão de raio X passearíamos pelo jardim enxergando um museu de tudo o que já foi descartado aqui. Felizmente, há 50, 60 anos não eram tantas as embalagens de plástico, e latas de diversos tipos normalmente eram reaproveitadas para outros fins, então muito do que foi enterrado provavelmente já se decompôs e está reintegrado à natureza.

Hoje é que o bicho, ou melhor, o lixo pega. Separamos para reciclagem tudo o que é possível, mas acontece de aparecer uma embalagem sem identificação de tipo de material (o número dentro do triângulo de setas) ou algo tão sujo e engordurado que não pode ser reciclado. Uma embalagem de queijo parmesão, por exemplo, que tem tanto óleo que até escorre. E aí, quem tem coragem de simplesmente jogar aquilo no buraco do lixo, sabendo que o plástico leva 400 anos para se decompor? Enterrar resolve? O que os olhos não vêem o coração não sente?

Uma coisa é transferir o problema para o lixeiro - aquele incrível mágico ilusionista que passa de porta em porta fazendo tudo desaparecer -, outra coisa é ser responsável por cada coisinha que você enterra a 40 metros da sua cozinha, embaixo das plantas bonitas que escolheu a dedo e plantou com as próprias mãos. No fundo é tudo a mesma coisa, o plástico estará enterrado aqui ou no lixão, mas a responsabilidade de cuidar daqui me mobilizou ainda mais.

O resultado é que as experiências e os desafios vão nos aperfeiçoando, e que bom que é assim. Cada vez compro menos coisas embaladas, menos comidas industrializadas, menos glutamato monossódico, e tenho feito mais pães, bolos, biscoitos, arroz, feijão, sopas a partir de vegetais frescos… e no fim das contas não só nós somos beneficiados com toda essa comida de verdade, mas o lixo também. Sobram mais cascas e menos pacotes. Mais matéria orgânica compostável e menos embalagens.

Nos casos de pacotes recicláveis porém engordurados demais, em respeito às usinas que recebem o material que separamos tenho lavado tudo com água e bastante sabão de coco. Não dá trabalho nenhum e torna aproveitável a matéria prima já processada. E não venham me dizer que eu gasto mais água na lavagem do que a usada na produção de um pedaço de plástico novo, porque não é só isso que está em jogo. O pedaço de terra que está sob minha responsabilidade agradece. O seu aterro sanitário também agradeceria.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Um poço caipira, o Sebastião Salgado e a Martha Medeiros


Demorou um pouco mais do que em outros lugares do interior de São Paulo, mas a água aqui no sítio também já começou a rarear. Toda a nossa água vem de um poço caipira de 6 metros de profundidade que nos abastece regiamente durante todo o ano. É água límpida, gostosa, que sempre dá e sobra. Mas agora falta.

Nesta segunda-feira, pela primeira vez neste inverno, o nível da água desceu mais de um metro, e conforme nosso consumo aumenta (nos dias de irrigar as mudas do viveiro de árvores, por exemplo) ele desce ainda mais um pouco, chegando quase à pontinha do cano da bomba. Se a gente bobear, ela puxa ar.

A solução foi colocar uma boia que liga a bomba quando os lençóis freáticos abastecem o poço e desliga a sucção de água quando o poço esvazia. Isso quer dizer que às vezes nossa caixa d'água enche, outras não. Isso quer dizer que às vezes tem água pra tomar banho, às vezes não. E o mesmo pra regar as plantas, lavar a louça, a roupa, escovar os dentes…

No início da semana terminei de ler Da minha terra à Terra, livro em que o famoso fotógrafo Sebastião Salgado conta sua história de vida e sua experiência trabalhando ao redor de todo o mundo, de áreas de grandes mazelas sociais, como muitos países da África, a lugares de paisagem inesquecível, paraísos na Terra. Todo o texto é muito bonito e cheio de reflexões sobre o mundo e a raça humana, mas o que mais me tocou foi a reflexão ao final, na conclusão, onde ele diz algumas coisas importantes:

- … o homem das origens é muito forte e muito rico em algo que fomos perdendo com o tempo, tornando-nos urbanos: nosso instinto.
- Vi o que éramos antes de nos lançarmos à violência das cidades, onde nosso direito ao espaço, ao ar, ao céu e à natureza se perdeu entre quatro paredes. Erguemos barreiras entre a natureza e nós. Com isso, nos tornamos incapazes de ver, de sentir…
- Se em meu livro Trabalhadores fiquei orgulhoso por poder mostrar que somos um animal incrivelmente engenhoso na capacidade de produção, também vi que, em nossa maneira de viver, fizemos de tudo para destruir aquilo que garante a sobrevivência de nossa espécie.

Depois de terminar esse livro andei folheando A graça da coisa, da Martha Medeiros, espetacular coleção de crônicas guardada na minha estante entre outros livros dela, lidos sempre com muito prazer. Na página 40 está Alguém quem?, texto publicado num jornal do Rio de Janeiro ou de Porto Alegre em 20 de novembro de 2011.

Filosofando sobre aquele tão familiar pensamento do "alguém tem que fazer alguma coisa" ela fala de mim e de você que, por arrogância ou egoísmo, nos anunciamos muito capazes, mas quando a teoria necessita ser posta em prática, somos os primeiros a transferir responsabilidades.

Nessa parte do texto, lendo deitada, fechei o livro sobre o peito e fiquei lembrando da imagem da pouca água lá no fundinho do poço. Somos cinco adultos morando no sítio e ainda temos direito ao espaço, ao ar, ao céu e à natureza que, segundo Sebastião Salgado, a maioria das pessoas já perdeu. Além disso (e por causa disso), ainda preservamos um pouco do nosso instinto e interagimos com a natureza tentando nos integrar sempre mais e entendê-la.

Talvez muitos dos moradores das cidades já tenha se dado conta de sua responsabilidade no uso correto da água que chega às torneiras, mas certamente muitos ainda transferem responsabilidades dizendo que alguém tem que fazer alguma coisa. Quando se mora numa comunidade enorme, onde é impossível acompanhar tudo o que acontece na cidade - e eu passei a maior parta da vida em lugares assim - acho que a gente tem a sensação de que existe ali uma infra-estrutura pronta para nos servir seja lá qual for a nossa demanda. É muito comum ouvir gente dizendo "eu pago, eu tenho direito". Isso, aliás, acontece muito em relação a lixo: "eu pago os impostos que pagam os salários dos varredores de rua, então quando jogo lixo no chão eu estou dando emprego a eles". Eu já ouvi isso, juro.

Basta a gente se mudar para um mini lugar, onde está nas nossas mãos o controle de tudo o que entra ou sai, funciona ou quebra, tem ou falta, que a gente percebe a responsabilidade de cada um no funcionamento do todo. Somos cinco aqui pra dividir aquela aguinha no fundo do poço. Se usarmos com inteligência e educação, vai dar pra hoje e pra amanhã. Se bater um egoísmo, acaba hoje mesmo para as pessoas, os animais e as plantas, que são o comércio que nos sustenta. E aí toda a engrenagem emperra.

O raciocínio e o funcionamento são os mesmo numa pequena, numa média ou numa grande comunidade, e certamente todo mundo já sabe disso. O que falta é se perceber responsável, ao invés de esperar que alguém faça alguma coisa, e usar com muito respeito aquilo que garante a sobrevivência da nossa espécie.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Duas amigas queridas, a sálvia e seus usos


A primeira lembrança que tenho de ter comido sálvia (Salvia officinalis) foi num frango com requeijão que a Helô fez no forno. Éramos amigas começando um apartamentinho charmoso, e esse foi um dos pratos que estreou nosso fogão novo. Eu não cozinhava quase nada e ela sabia muito mais coisas do que eu, tanto na cozinha quanto sobre ervas. Nosso jardinzinho interno, debaixo da janela da sala, começou com sálvia, arruda e uma avenca que os gatos insistiam em comer, pra depois vomitar em cima do sofá.

Muito tempo passou e muitas sálvias eu tive, mas apenas pelo prazer de cultivá-las - praticamente nunca mais a usei, nem em preparos culinários, muito menos medicinais. Há anos não como carne (como se a sálvia combinasse só com frango, imagine!) e descobri que já sofri muito daquela síndrome burra que nos faz desprezar as soluções tradicionais caseiras porque o moderno/comprado/industrializado é mais fácil, portanto parece melhor. A gente compra bolo pronto empacotado, pó colorido pra fazer suco e sopa, arroz ensacado em porções pra cozinhar com plástico e tudo… Ah, os tempos modernos...

Pois ontem a Carol, outra querida com quem também já tive o prazer de dividir a casa, falou no programa da rádio que sálvia é tiro e queda pra resfriados, tosse, asma, bronquite e outros "ites". E eu, resfriada há duas semanas como ela e meio estado de São Paulo, chupando pastilha de farmácia com gosto de tinta enquanto vejo crescerem intactas as sálvias do jardim.

Também me senti burra por ter em casa uma estante cheinha de livros sobre ervas e nunca ter pesquisado sobre essa espécie, considerada erva sagrada desde que o mundo é mundo. Sim, a sálvia tem mil propriedades curativas além de dar mais sabor à comida. No nome científico, o Salvia vem do latim salvere, que significa salvo, são, sadio, e o officinalis indica que a planta é reconhecida por suas propriedades medicinais. Olha só:

      Uso interno:
  • Para indigestão (dispepsia) e formação de gases: uma xícara de chá após as refeições
  • Para cólicas menstruais e seios doloridos durante a TPM: uma xícara de chá a cada três horas
  • Para sudorese e salivação excessivas: uma xícara de chá pela manhã e outra à noite
  • Para diminuir a produção de leite materno no processo de desmame de bebês: uma xícara de chá duas ou três vezes ao dia

     Uso externo:
  • Para garganta inflamada: gargarejos com chá de sálvia morno. Para aumentar ainda mais a ação, acrescente uma colher de chá de vinagre por xícara. Tenho feito e estou gostando do resultado.
  • Para gengivite, afta e mau hálito de origem bucal: bochecos com chá de sálvia, que tem excelente ação antiséptica
  • Para limpar os dentes numa versão natureba da escova de dentes (só vale quando não há outra opção!): esfregue folhas de sálvia em todos os dentes, caprichando nas junções com as gengivas. A textura das folhas se encarrega da limpeza, e a ação antiséptica ajuda na eliminação das bactérias
  • Para aliviar a coceira nas picadas de insetos e a dor de feridas na pele: compressas com pano umedecido em chá de sálvia sobre o local atingido
  • Para escurecer os cabelos castanhos: enxague com chá de sálvia após a lavagem com xampu

IMPORTANTE: Apesar de tantas propriedades de cura, o uso da sálvia é contraindicado em gestantes, lactantes (se não há a intenção de diminuir a produção de leite) e epiléticos. Também pode haver efeito tóxico em uso prolongado, afinal, qualquer coisa em excesso pode fazer mal, por isso faça intervalos de algumas semanas a cada mês de uso da sálvia.

Os chás devem ser preparados sempre por infusão: aqueça uma xícara de água até a formação de bolhinhas no recipiente. Apague o fogo e acrescente uma colher de sopa de sálvia desidratada ou duas da erva fresca. Tampe para abafar e espere 10 minutos antes do uso interno ou externo.

Cultivar a sálvia não é nenhum mistério, basta oferecer a ela as condições de vida da costa do mar Mediterrâneo, sua terra natal. Algumas horas de sol pleno e terra levemente arenosa fazem a sálvia feliz. Pode até ser em vasos pequenos, de 20 cm de altura. Assim como o alecrim e o tomilho, nativos da mesma região, sálvias não gostam de sombra nem de encharcamento do solo, por isso são bastante indicadas para jardins ao ar livre com manutenção pouco frequente, como praças e outros espaços públicos, ou para a casa de quem não tem muito tempo para mimá-las.

Nos mercados e lojas de jardinagem é possível encontrar lindas variedades dessa erva, além da básica e verdinha Salvia officinalis, a sálvia comum. Algumas tem caule arroxeado, como a Salvia officinalis "Purpurascens" das fotos, outras têm as folhas manchadas de amarelo, como a Sálvia dourada (Salvia officinalis "Icterina"). Tem ainda a variedade Tricolor, que junta numa planta só as colorações das duas anteriores. Essa é linda!

Sem mistérios: é planta fácil de cuidar, útil e super decorativa. Uma ótima opção pra ir além da salsa, da cebolinha e do manjericão de sempre.


Para ouvir a Carol na Band News FM, clique aqui ou vá até o portal Minhas Plantas e procure pelo podcast na sessão Rádio.


sexta-feira, 14 de março de 2014

A filha da mãe


Em noventa por cento do tempo que passo aqui mostrando meus deveres de casa falo de coisas verdes, mas acredito que não só dessa cor são nossas tarefas e obrigações, por isso também tenho vontade de, às vezes, contar outras experiências.

Cresci ouvindo minha mãe dizer que a gente tem a obrigação de reclamar dos serviços que não nos atendem bem. Durante a adolescência me lembro de alguns momentos em que desejei que o chão se abrisse e eu sumisse dentro do buraco: era só minha mãe ameaçar chamar o gerente e eu tinha certeza de que pagaria mico - aliás, mico é expressão e sensação característica daquela longa fase dos 12 aos 20 anos, quando a gente acha que o certo e o bonito é ser e fazer tudo igual a todo o mundo, mesmo que estejam todos errados. 'Inda bem que um dia isso passa. Virei gente grande e, bem educadinha que fui, fiquei igual à mãe.

Na sexta-feria antes do Carnaval tive que ir ao banco e entrar na fila do caixa. Eram duas e meia da tarde da véspera do maior feriado deste país. Éramos 20 pessoas na fila e só duas moças operavam os caixas. Quando não tem solução a gente se conforma e espera, mas aquilo vai irritando, irritando, irritando…

Com a fila andando e eu chegando mais perto do balcão de atendimento comecei a perceber que, além de fazer os saques e pagamentos de contas dos clientes, as atendentes ofereciam e explicavam, a cada um que chegava na boca do caixa, como é o plano de previdência, o seguro de vida, o de carro, o de residência… Não bastasse a quantidade de gente na fila para apenas dois caixas abertos, e o banco se acha no direito de fazer a coisa demorar ainda mais oferecendo produtos e explicando procedimentos que ninguém pediu pra saber.

Se minha mãe estivesse na fila ela já estaria conversando com os da frente e os de trás e convencendo todo mundo a ir na gerente reclamar. Posso até ouvi-la dizendo "a gente tem que reclamar, porque senão eles pensam que tá todo mundo achando bom o serviço e continuam fazendo esse tipo de absurdo com o cliente. Quando só um reclama tem menos efeito do que quando todos reclamam".

Só que era eu ali, então não houve a mobilização dos enfileirados - isso é coisa de cliente profissional e eu ainda preciso me aperfeiçoar. Mas depois de ser atendida fui à gerente reclamar. Disse que não era uma reclamação contra as atendentes, particularmente, mas contra a política do banco que cobra intensivamente dos funcionários o cumprimento de metas de venda de produtos. Sei disso porque conheço gente que saiu do banco por não aguentar a pressão.

Para minha surpresa a gerente fez cara de "concordo plenamente com você" e logo foi pedindo a abertura de mais um caixa. Pena que eu tive que reclamar para isso acontecer. Depois disso fui embora e até hoje ainda não tive que voltar à fila, mas naquele dia saí do banco com a sensação boa de ter reclamado de um abuso, de ter exigido ser respeitada. Só assim as coisas por aqui um dia serão melhores. Porque todos nós sabemos como fica um país quando ninguém reclama e, sem se envolver, engole tudo do jeito que está.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Descansar

A gente devia ser obrigada a viajar de vez em quando, a cada três, quatro ou no máximo cinco meses, só para descansar. Como numa meditação, ir para um lugar onde nada acontecesse, rodeado de muito silêncio e energia boa.

É certo que a paz começa dentro da gente, mas quando ela também está do lado de fora é bem mais fácil relaxar. E mesmo que o retiro aconteça num lugar muito parecido com onde a gente vive, o fato de olhar de fora os problemas renova a serenidade que nos faz perceber que tudo tem solução. A falta d'água, a saúde da gata e o mato nascendo a cada centímetro de terra parecem dificuldades menores quando não estão sob nossa responsabilidade, mas na verdade têm o mesmo tamanho, só não estão pesando no nosso colo.

Já virou tradicional o Carnapira, e no ano que vem (e no outro, e no outro, e no outro…) a gente quer voltar a curtir o sítio da Neide e do Marcos no feriadão. Sob os cuidados desses carinhosos anfitriões e na casinha super cheia de charme, teve:

Café da manhã no jardim com vista para as montanhas

Suco de cambuci que tínhamos congelado em casa, mas que só tivemos
coragem de fazer junto com quem também valoriza

Banho na represa...

… que estava com menos água que o normal (veja o contorno de terra
que no verão não deveria existir) mas pra nadar deu

Existe uma grande diferença entre gente que vive e gente que vive bonito. Entre quem cozinha e quem cozinha com prazer. Entre quem planta e quem planta com amor. Passar dias gostosos em companhia de amigos que dão valor às coisas e querem melhorar a vida e o ambiente em que vivem ensina sempre mais um pouquinho a quem, como eu, gosta de caprichos e toques especiais.

Neide e Marcos compraram, há três anos, uma terra que havia sido pasto. Isso significa que toda a área era coberta de capim braquiária e poucas árvores haviam. De lá pra cá muito têm batalhado - com o próprio muque e a ajuda de um casal de caseiros especiais - para inverter essa paisagem e acabar com o capim sombreando a área toda com árvores. Quem olha para o Dr. Marcos no consultório, de jaleco em dias úteis, não imagina o trabalho físico do médico nos dias de descansar; e o mesmo deve acontecer com quem conhece a Neide só da coluna quinzenal no Estadão: a nutricionista poeta e sabida, que conta suas descobertas com paixão, pega pesado na roça sem parar nem pra beber água. Ela tem uma constituição camelística, diz o marido. Sinceramente, fico com inveja de não ter a energia dela. Quando eu crescer, quero ser igual quiném.

Para colaborar com o reflorestamento e a diversidade levamos o carro lotadinho de mudas - algumas que eles insistem em pagar e outras de presente, que a gente fica feliz em oferecer. No ano passado já tínhamos levado mais de trinta espécies, principalmente frutíferas, então dessa vez escolhemos algumas árvores ornamentais, que a Neide disse que anda com vontade de flores. Foi lofântera, jeniparana, abricó de macaco, além de bastante assa-peixe pra atrair abelhas (que depois descobri que lá nasce espontâneo), cabeludinha pra chupar no pé, olho de dragão, cajá mirim…



Ah, foi também uma jabuticabeira bonita, ainda de quando eu morava em São Paulo, que estava num vaso e há anos pedia para se mudar para o chão. Fiquei feliz por ela, porque casa nova melhor não há! Foto não tenho porque enquanto Neide plantava a muda com os maridos (ela tem um só, o outro era o meu) eu curtia a vida de visita folgada, copiando receitas deitada na rede.

No resto do tempo comemos muita comida boa e curtimos bonitezas e invenções. Coisas como o escorredor de louça, por exemplo, adaptação perfeita de um aramado de armário que de um lado é apoiado no parapeito da janela da pia e do outro é suspenso por uma correntinha quem vem do teto. Assim não ocupa espaço na cozinha nem molha a pia. Genial.



Dendezoca, assim como eu, mais descansou que trabalhou. E Tapioca está viva, graças a São Francisco que fez plantão especial durante a semana, quando Neide e Marcos tiveram que deixá-la sozinha.




Nós voltamos leves, agradecidos pelos dias tão gostosos, com ares de felicidade e uma sensação boa de ter ajudado um pouquinho os amigos a fazerem seu lugar melhor. Do lado de fora, porque por dentro já é só charme…