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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Carnaval no jardim

Flores, Arthur (que nem veio pra almoçar mas não resistiu, Marcos e Neide)

No domingo, repetindo pela terceira vez o que eu já chamo de tradição desde a segunda, nos encontramos Neide, Marcos, Flores e eu para ao menos um dia juntos durante o carnaval. Nos anos anteriores fomos ao sítio deles carregados de plantas para enriquecer a diversidade por lá - plantas são o nosso assunto. Desta vez eles vieram a Holambra, no nosso sítio, carregados de comidinhas, folhas e flores secas para chá, frutinhas para sobremesa, maracujá para semear… comidas são o assunto deles.

Não houve muito planejamento, mas eu e Neide trocamos por celular algumas mensagens sobre fazer macarrão caseiro colorido. Minha irmã Mari, a Mariana Valentini da Brodo Rosticceria, fez lindas gravatinhas coloridas para o carnaval que eu só vi pelo Instagram mas que me inspiraram bastante. Comer é uma delícia, e comer comida bonita é melhor ainda. Em boa companhia então…

Pois ficou combinado que almoçaríamos massa. A Neide, sempre muito prática e animada, ofereceu de trazer a máquina e flores azuis de Clitoria ternatea para testarmos a cor na comida. Eu botei na roda a primeira moranga colhida este ano no jardim e beterrabas, assim teríamos três cores no prato.


Só que das caixas vindas da cozinha do blog Come-se saíram muito mais do que ingredientes para chás e macarronada. Veio uma tigelona de coxas de frango para os que comem carne, uma boa fatia de melancia, um punhado de siriguelas, maracujás de duas espécies para sucos e mudas, uma metade de limão siciliano que só hoje encontrei esquecida na geladeira… É interessante como para quem trabalha com comida é tudo muito simples. Rapidinho junta-se uma coisa com outra com outra e com outra e vai a assadeira cheia para o forno. O processador de alimentos (que também veio na mala) em um instante transforma tomate fresco com melancia e temperos em um delicioso gazpacho pra comer como entrada. E enquanto eu fico pensando se é melhor juntar dois disso com três daquilo ou ao contrário, a Neide já bateu a massa de abóbora e eu nem vi como ela fez.

O gazpacho ficou delicioso. Acho que
quero ter um processador de alimentos...

Uns minutos depois já estavam prontas três bolas de massa: a azul clarinha, colorida com flores de Clitoria ternatea; a amarela, feita com abóbora moranga e uma roxinha linda, de beterraba. O próximo passo era instalar a máquina numa superfície grande pra trabalhar, e a despeito das moscas e dos cachorros de plantão, Neide escolheu montar a traquitana toda lá fora, na grama, sob a sombra da Teca.

No melhor estilo gambiarra, com cadeiras viradas sobre a mesa e um pedaço grande de cano de pvc, foi montado um varal para secar os fettuccines, e num minuto em que deixei a cozinha para ir ao banheiro ouvi risadas e fui chamada às pressas. Corre, vem fotografar! Não sei muito bem como aconteceu, mas em questão de segundos a primeira leva de massa de abóbora escorregou do varal de cano e foi parar na grama, e em mais um piscar de olhos os três cachorros devoraram aquilo tudo.


Depois das melhorias no varal para evitar futuras perdas vieram lindos fettuccines azuis e roxos combinando com a camiseta da cozinheira, e comemos nossa macarronada com molhinhos de manteiga e sálvia e de tomate, junto com as coxas de frango e fatias de abóbora assadas com temperinhos da horta. Isso é que é almoço de domingo!



Marcos, o companheiro que acompanha,
espantava moscas e ajudava na produção da massa





Hoje acordei pensando em contrastes.
A massa foi a Neide que fez e o molho fui eu, com tomates pelados de lata mas quase sem processamento industrial. A manteiga era de pacote mas a sálvia é produção da casa. Os corantes da comida eram totalmente naturais: beterraba, abóbora do quintal e flores da horta da Neide. Comemos na mesa sobre a grama, debaixo de uma árvore bonita, com moscas e cachorros por perto, sem muitos problemas.

Agora pense em alguém que more num apartamento. Pode ser você, pode ser eu, que já fui muito urbana. Essa pessoa acorda lá no alto, décimo segundo, vigésimo quinto andar. Olha pela janela só pra saber se faz sol ou se chove e se enfia rápido numa roupa, café solúvel numa mão, bolacha de pacote na outra. Pega o elevador com o vizinho que nem responde o bom dia e aperta o G3, a garagem mais do alto. Entra no carro, afivela o cinto e logo se entala no trânsito; cinquenta minutos pra chegar ao trabalho. O prédio de escritórios fico no topo de um shopping, daqueles com muitos níveis de garagem. De novo o G3. Estacionamento cheio, vaga apertada, elevador lotado, a mesa tomada de pilhas de papel e um monte de e-mails para responder. Na hora do almoço a praça de alimentação salva: um salgado frito com refrigerante diet, porque não vai dar tempo de almoçar direito. De tarde telefone, computador, reunião no ar condicionado, cafezinho da máquina no copinho plástico, mais computador, mais telefone… Acaba o expediente e o dia termina como começou, só que ao contrário: mesa ainda tomada de papéis e os e-mails a responder, elevador lotado, vaga do carro apertada, fila pra passar pela cancela do estacionamento, uma hora e vinte no trânsito até chegar em casa, G3, elevador com os vizinhos… e chega o momento relax: um banho quente (mas rápido por causa do rodízio de água), pijaminha de malha feito de fio de garrafa PET (sustentável) e um jantarzinho leve (salada hidropônica com nuggets de vegetais e um chá gelado, daqueles de misturar o pozinho na água. Sabor pêssego).

Essa pessoa (eu, você, alguém da sua família) não colocou o pé na Terra! Não digo descalço, na terra terra, aquela que tem minhocas, falo do planeta Terra! O dia inteiro se passou no alto, em andares de cimento. Os deslocamentos foram dentro do carro, as garagens eram elevadas, o almoço foi na praça de alimentação do shopping... Essa criatura não pisou numa calçada que seja, muito menos em um só metro quadrado de grama. Capaz que não tenha reparado no céu, não escutou um pio de pomba e nem comida de verdade comeu. Nem bebida de verdade bebeu! E pelo que me consta não inventei nenhum absurdo, nada que eu, você e seus conhecidos não tenhamos feito muitas e muitas vezes em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte…

Antes que você me chame de Pollyanna, deixe-me dizer que não acho que tenhamos todos que nos mudar para ecovilas, plantar nossa própria comida, costurar nossas próprias roupas, vender nossos carros… Adoro dirigir, uso computador todos os dias, tenho pilhas e pilhas de papel sobre a mesa e dezenas de e-mails a responder, mas tenho tentado andar pelo caminho do meio. Planto horta (quando morava em São Paulo plantava em vasos), sento na grama com os cachorros no colo, como comida de verdade feita por mim em oitenta por cento das refeições, boto um tênis e vou correr na rua e tento, diariamente, melhorar minhas escolhas. Já morei em diversos lugares diferentes, já trabalhei com coisas saudáveis e com insalubres também, e a cada dia que passa acho mais importante e prazeroso o contato diário com a Terra. E mais: não conheço ninguém que tenha feito o caminho contrário sem ao menos cultivar um plano de, no futuro, voltar às raízes.

É um caminho sem volta. Quanto mais a gente planta, mais quer plantar. Quanto mais pensa na comida, mais se dedica a fazê-la saudável. Quanto mais põe a mão na terra, senta na grama e corre na rua, mais sente falta disso tudo quando por algum motivo não pode fazer. E tem mais uma coisa bem interessante: a gente começa a se relacionar com pessoas que fazem o mesmo, que pensam igual, que andam pela mesma trilha sem querer voltar pra trás. É o caso da minha amizade com a Neide. Quando eu morava em São Paulo, trabalhava muito perto da casa dela e era um pouco aquela pessoa que não tinha tanto contato com a Terra, a gente não se conhecia. Agora que ficamos amigas, pergunta se eu quero passar um Carnaval sem ela???

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Saindo pra olhar lá fora

Ana Soares, Neide Rigo e Mara Salles
abrindo a aula "O que é que tem de mistura"

Nesse final de semana deixei a vida de sítio pra tomar na veia uma dose de São Paulo, que eu adoro. E apesar de também adorar dirigir em estrada (boa, como a Bandeirantes) ouvindo música no carro, dessa vez tive vontade de ir de ônibus, aproveitando ser levada. Isso tem um pouco clima de filme, acho. A viagem de ônibus, depois o metrô, um taxi pra chegar na casa da Mari, onde fiquei hospedada… Sem falar na economia de dinheiro, de pneu, de combustível, e na curtição de ler em trânsito.

Fui pra assistir aulas no evento Paladar - Cozinha do Brasil. Essa foi a oitava edição e eu nunca tinha ido. Não é o meu ramo mas tem um tanto de coisas interessantes, sem falar no meu motivo principal: aulas da Neide. A Rigo. Do Come-se.

No sábado teve ela junto com a Mara Salles, do Tordesilhas, e a Ana Soares do Mesa 3. Falaram sobre "o que é que tem de mistura", o que vai junto com o arroz e feijão em cada região do Brasil, em cada mesa, em cada família. O termo mistura, que já dá margem a diversas interpretações, mais as memórias afetivas de cada uma - o que a mãe fazia, o que o pai preferia, o que a criança podia, queria e não queria - renderam assunto pra quase duas horas, encerradas solenemente com o privilégio da degustação de tudo o que elas trouxeram para mostrar.

Um tanto de gente tentando se servir
na degustação de misturas

No domingo foi a vez da Neide sozinha (porque ela é espetacular e sobra!) mostrar e falar sobre ervas aromáticas não convencionais. Foi bom demais. Além de interessante a aula foi bonita, porque ela caprichou na apresentação fazendo a bancada de cozinha parecer um balcão de alquimista. Aliás, pareceu não, foi mesmo uma bancada de alquimista, porque ela brincou de acidificar (com limão) uma infusão de flor de feijão borboleta pro líquido ficar lilás, depois voltou o lilás pro azul original misturando bicarbonato de sódio… toda essa química pra mostrar possibilidades de chás e refrescos.

Tinha vidros e frascos de todos os tamanhos acondicionando folhas, flores e frutos, a maioria que a gente nunca nem ouviu falar; e ela falando daquilo com uma intimidade, como se fosse possível encontrar tudo em qualquer esquina. Na verdade quase é, porque muitas das coisas são matos, matos mesmo, desses que nascem em rachadura de calçada em qualquer cidade. A buva, por exemplo, vira um pesto picante delicioso; o picão branco rende um caldinho gostoso que sabe a alcachofra; a erva de santa maria - chamada de epazote no México - pode ser usada no feijão pra diminuir a produção de gases no intestino (o seu intestino, não o do feijão) e o próprio feijão borboleta, que dá o chá azul, parece que agora está na moda nos Estados Unidos, por seus efeitos medicinais. O foco da aula era ervas aromáticas, mas como disse a Neide, praticamente todas as aromáticas também têm efeito medicinal, então usar dá sempre bônus.

E pra não dizer que foi só de ver e ouvir, teve de comer também. Experimentamos mingauzinho de araruta com macassá, pacová - o cardamomo brasileiro - salpicado sobre pedacinhos de abacaxi maduro (espetacular!), refresco de hibisco com gerânio aromático fermentado com kefir de água… vinha um potinho atrás do outro e as pessoas se olhavam com caras maravilhadas, fazendo hums e ohs, curtindo uma novidade atrás da outra.

A Neide e sua bancada de alquimista

Por isso eu adoro fazer cursos. A internet é muito boa, livros são imprescindíveis, mas um bom bate papo ao vivo, ainda mais com demonstração e degustação, têm outro gosto. Literalmente, neste caso. Acho que eu nunca teria experimentado diversas das espécies de "matos" que já li por aí se não fosse num evento assim.

Além disso encontrei as queridas Silvia e Sabrina Jeha, do viveiro Sabor de Fazenda, que não via há tempos, conheci um tanto de gente interessante, combinei de fazer e receber visitas diversas pra conhecer mais lugares novos…

Mudar pro interior é muito bom mas não dá pra ter preguiça de sair pra ver o mundo, senão tudo fica muito pequenininho. Sem falar que São Paulo pode ter todos os piores defeitos do mundo mas também tem muita gente boa, coisa boa, novidade boa...

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Lixo no quintal dos outros é refresco


Nada como ter o problema perto, muito perto de você, para tratá-lo com seriedade.

A área rural onde moro fica a 3 km do centro da cidade. É perto, e isso me agrada porque não é preciso fazer longas viagens para ir ao banco, ao supermercado e outros lugares onde a gente vai sempre. Mas na nossa porta não passam o carteiro nem o lixeiro. O problema da correspondência é facilmente resolvido com o aluguel de uma caixa postal na agência da cidade, mas o do lixo…

A solução é a mesma de quando não existia lixeiro passando na porta de ninguém: um buraco no quintal. Cava-se o mais fundo possível e no entorno da boca do buraco vai uma paredinha de tijolos, para evitar o acesso de ratos e cachorros. Algo de 80 cm de altura. Nos mais de 60 anos em que existe o sítio, o buraco do lixo já foi em diversos lugares. Isso porque com o passar do tempo ele vai enchendo, e um dia é necessário encerrá-lo para abrir um novo.

Se tivéssemos visão de raio X passearíamos pelo jardim enxergando um museu de tudo o que já foi descartado aqui. Felizmente, há 50, 60 anos não eram tantas as embalagens de plástico, e latas de diversos tipos normalmente eram reaproveitadas para outros fins, então muito do que foi enterrado provavelmente já se decompôs e está reintegrado à natureza.

Hoje é que o bicho, ou melhor, o lixo pega. Separamos para reciclagem tudo o que é possível, mas acontece de aparecer uma embalagem sem identificação de tipo de material (o número dentro do triângulo de setas) ou algo tão sujo e engordurado que não pode ser reciclado. Uma embalagem de queijo parmesão, por exemplo, que tem tanto óleo que até escorre. E aí, quem tem coragem de simplesmente jogar aquilo no buraco do lixo, sabendo que o plástico leva 400 anos para se decompor? Enterrar resolve? O que os olhos não vêem o coração não sente?

Uma coisa é transferir o problema para o lixeiro - aquele incrível mágico ilusionista que passa de porta em porta fazendo tudo desaparecer -, outra coisa é ser responsável por cada coisinha que você enterra a 40 metros da sua cozinha, embaixo das plantas bonitas que escolheu a dedo e plantou com as próprias mãos. No fundo é tudo a mesma coisa, o plástico estará enterrado aqui ou no lixão, mas a responsabilidade de cuidar daqui me mobilizou ainda mais.

O resultado é que as experiências e os desafios vão nos aperfeiçoando, e que bom que é assim. Cada vez compro menos coisas embaladas, menos comidas industrializadas, menos glutamato monossódico, e tenho feito mais pães, bolos, biscoitos, arroz, feijão, sopas a partir de vegetais frescos… e no fim das contas não só nós somos beneficiados com toda essa comida de verdade, mas o lixo também. Sobram mais cascas e menos pacotes. Mais matéria orgânica compostável e menos embalagens.

Nos casos de pacotes recicláveis porém engordurados demais, em respeito às usinas que recebem o material que separamos tenho lavado tudo com água e bastante sabão de coco. Não dá trabalho nenhum e torna aproveitável a matéria prima já processada. E não venham me dizer que eu gasto mais água na lavagem do que a usada na produção de um pedaço de plástico novo, porque não é só isso que está em jogo. O pedaço de terra que está sob minha responsabilidade agradece. O seu aterro sanitário também agradeceria.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

O trigo do vizinho já não está mais verde...

Trigo - 02 de julho de 2014

No ano passado me escreveu a Suelen, leitora romântica do De Verde Casa que iria se casar e procurava uma plantação de trigo para fazer fotos com o noivo. Respondi com a má notícia de que se o casamento seria em maio ela não conseguiria um campo de trigo daqueles de cinema, bem douradinho, porque o trigo é uma cultura de inverno. Isso quer dizer que em maio os produtores ainda estão pensando em plantar o trigo, e só lá pra julho ele vai estar como a Suelen queria.

Tá certo que estamos num tempo em que tem morango em janeiro e manga em agosto - o ser humano tem tentado enganar a natureza forçando produções fora de hora com estufas e recursos tecnológicos - mas nas grandes culturas quem manda ainda é o clima. Safrona de milho, daquelas boas mesmo, é em janeiro e fevereiro. Milho gosta de calor e chuva. Já o trigo é do contra: gosta de frio e seco.

Num país enorme desses, onde na metade de cima faz calor de fritar os miolos e na de baixo às vezes até neva, é possível produzir quase de tudo. O segredo está em saber escolher a cultura certa para o local certo. Quando a gente é muito urbana, só pensa no clima na hora de escolher a roupa pra sair. Já o pessoal da roça tá sempre de chapelão e manga comprida, faça frio ou faça sol, mas dorme e acorda de olho no clima pra saber o que tá na hora de plantar e de colher. E se essa moçada dorme no ponto, a lá da cidade não tem mais o que comer!

Aproveitando o ensejo do trigo, deixo duas fotos da plantação de um vizinho. Lá no alto o trigo ainda verde, pra quem (como eu, um dia!), nunca tinha parado para pensar que ele não nasce seco, douradinho como nos desenhos das embalagens de pão e biscoito. Abaixo vai o mesmo campo vinte dias depois, sequinho, pronto para colher.

Trigo - 22 de julho de 2014

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Duas amigas queridas, a sálvia e seus usos


A primeira lembrança que tenho de ter comido sálvia (Salvia officinalis) foi num frango com requeijão que a Helô fez no forno. Éramos amigas começando um apartamentinho charmoso, e esse foi um dos pratos que estreou nosso fogão novo. Eu não cozinhava quase nada e ela sabia muito mais coisas do que eu, tanto na cozinha quanto sobre ervas. Nosso jardinzinho interno, debaixo da janela da sala, começou com sálvia, arruda e uma avenca que os gatos insistiam em comer, pra depois vomitar em cima do sofá.

Muito tempo passou e muitas sálvias eu tive, mas apenas pelo prazer de cultivá-las - praticamente nunca mais a usei, nem em preparos culinários, muito menos medicinais. Há anos não como carne (como se a sálvia combinasse só com frango, imagine!) e descobri que já sofri muito daquela síndrome burra que nos faz desprezar as soluções tradicionais caseiras porque o moderno/comprado/industrializado é mais fácil, portanto parece melhor. A gente compra bolo pronto empacotado, pó colorido pra fazer suco e sopa, arroz ensacado em porções pra cozinhar com plástico e tudo… Ah, os tempos modernos...

Pois ontem a Carol, outra querida com quem também já tive o prazer de dividir a casa, falou no programa da rádio que sálvia é tiro e queda pra resfriados, tosse, asma, bronquite e outros "ites". E eu, resfriada há duas semanas como ela e meio estado de São Paulo, chupando pastilha de farmácia com gosto de tinta enquanto vejo crescerem intactas as sálvias do jardim.

Também me senti burra por ter em casa uma estante cheinha de livros sobre ervas e nunca ter pesquisado sobre essa espécie, considerada erva sagrada desde que o mundo é mundo. Sim, a sálvia tem mil propriedades curativas além de dar mais sabor à comida. No nome científico, o Salvia vem do latim salvere, que significa salvo, são, sadio, e o officinalis indica que a planta é reconhecida por suas propriedades medicinais. Olha só:

      Uso interno:
  • Para indigestão (dispepsia) e formação de gases: uma xícara de chá após as refeições
  • Para cólicas menstruais e seios doloridos durante a TPM: uma xícara de chá a cada três horas
  • Para sudorese e salivação excessivas: uma xícara de chá pela manhã e outra à noite
  • Para diminuir a produção de leite materno no processo de desmame de bebês: uma xícara de chá duas ou três vezes ao dia

     Uso externo:
  • Para garganta inflamada: gargarejos com chá de sálvia morno. Para aumentar ainda mais a ação, acrescente uma colher de chá de vinagre por xícara. Tenho feito e estou gostando do resultado.
  • Para gengivite, afta e mau hálito de origem bucal: bochecos com chá de sálvia, que tem excelente ação antiséptica
  • Para limpar os dentes numa versão natureba da escova de dentes (só vale quando não há outra opção!): esfregue folhas de sálvia em todos os dentes, caprichando nas junções com as gengivas. A textura das folhas se encarrega da limpeza, e a ação antiséptica ajuda na eliminação das bactérias
  • Para aliviar a coceira nas picadas de insetos e a dor de feridas na pele: compressas com pano umedecido em chá de sálvia sobre o local atingido
  • Para escurecer os cabelos castanhos: enxague com chá de sálvia após a lavagem com xampu

IMPORTANTE: Apesar de tantas propriedades de cura, o uso da sálvia é contraindicado em gestantes, lactantes (se não há a intenção de diminuir a produção de leite) e epiléticos. Também pode haver efeito tóxico em uso prolongado, afinal, qualquer coisa em excesso pode fazer mal, por isso faça intervalos de algumas semanas a cada mês de uso da sálvia.

Os chás devem ser preparados sempre por infusão: aqueça uma xícara de água até a formação de bolhinhas no recipiente. Apague o fogo e acrescente uma colher de sopa de sálvia desidratada ou duas da erva fresca. Tampe para abafar e espere 10 minutos antes do uso interno ou externo.

Cultivar a sálvia não é nenhum mistério, basta oferecer a ela as condições de vida da costa do mar Mediterrâneo, sua terra natal. Algumas horas de sol pleno e terra levemente arenosa fazem a sálvia feliz. Pode até ser em vasos pequenos, de 20 cm de altura. Assim como o alecrim e o tomilho, nativos da mesma região, sálvias não gostam de sombra nem de encharcamento do solo, por isso são bastante indicadas para jardins ao ar livre com manutenção pouco frequente, como praças e outros espaços públicos, ou para a casa de quem não tem muito tempo para mimá-las.

Nos mercados e lojas de jardinagem é possível encontrar lindas variedades dessa erva, além da básica e verdinha Salvia officinalis, a sálvia comum. Algumas tem caule arroxeado, como a Salvia officinalis "Purpurascens" das fotos, outras têm as folhas manchadas de amarelo, como a Sálvia dourada (Salvia officinalis "Icterina"). Tem ainda a variedade Tricolor, que junta numa planta só as colorações das duas anteriores. Essa é linda!

Sem mistérios: é planta fácil de cuidar, útil e super decorativa. Uma ótima opção pra ir além da salsa, da cebolinha e do manjericão de sempre.


Para ouvir a Carol na Band News FM, clique aqui ou vá até o portal Minhas Plantas e procure pelo podcast na sessão Rádio.


sexta-feira, 26 de abril de 2013

Liquidificador de manivela - você tem a força!


Sim, um liquidificador manual, para botar o muque para funcionar e testar seu torque. Confesso que logo que ganhei, pensei "Nunca vou usar. Se não tivesse a versão elétrica, talvez, mas como já tenho..."

Ledo engano. Não sei se é pelo romantismo, pela economia de energia, pela atividade física ou por todas as opções anteriores, mas os sucos de frutas aqui nunca mais foram feitos de outra maneira. Claro que quem tem bracinhos magrelos como os meus não pode querer triturar cebola inteira ou bater amêndoa até virar farinha, mas a traquitana é super útil para muitos dos preparos de todo dia.

Serve também para mostrar para as crianças (e para os adultos de pouca memória) que a engenharia mecânica sobrevive sem a engenharia elétrica, e que um dia tudo funcionou na base da força física. Além disso, quebra um galhão no pique-nique, no acampamento ou na roça, onde a vida funcionará sempre num outro ritmo, senão deixará de ser roça.

Atualização em 3mai: não sei onde meu liquidificador foi comprado (ganhei de presente) e a única coisa que aparece escrita nele é a palavra UNIVERSO. Suponho que seja a marca. Pesquise na internet e verá que é fácil encontrar alguns modelos e variações de cor.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Presentes criativos e carinho à moda antiga


Sempre fui dos presentinhos personalizados, e mais ainda agora, vivendo em sítio, curtindo coisas plantadas, colhidas, feitas... Para a maioria dos amigos e parentes não sei mais sair para escolher um presente. Tudo me parece muito genérico, pasteurizado e repetido, e sempre acabo achando que algo que eu faça com carinho vai ser muito mais bem recebido do que algo de loja. Ou estou perdendo a prática de fazer compras ou estou ficando especialista em inventar presentes feitos por mim. Ou os dois, e que bom!

Hoje de manhã sentei para escrever uma carta à mão, afinal, se um pacotinho vai pelo correio cruzando oceanos para levar um presente, tem que levar junto uma carta à moda antiga, muito mais gostosa de receber do que um e-mail. E que coisa diferente, escrever uma carta no papel. Chega uma hora em que a letra começa a ficar troncha, denunciando que a mão não tem mais costume de escrever algo tão longo. Descobri que perdi a prática e a musculatura adquiridas nas aulas de biologia da professora Ester, quando fazia cadernos gordos, lindos, todos coloridos, anotando sobre células, mitocôndrias, fagocitose...

Das pulseirinhas de linha que tecia na adolescência ainda tenho prática, e fiquei feliz de ter tido a ideia de dá-las de presente acompanhando uma camiseta confortável. Eram o tipo de presentinho que todas as meninas gostavam de ganhar, e ainda hoje as mesmas meninas, já crescidas, curtem um enfeitinho feito à mão, desses de feirinha de praça. Pois foram num pacotinho as pulseiras, a camiseta e uma carta, e a essa hora já começaram a viagem internacional.

***

E no sábado acho que acertei mais um presente diferente, desta vez infantil. Porque se tem uma coisa que anda difícil é escolher presente pra criança. Tudo é eletrônico e funciona sozinho. Você dá o brinquedo, os pais colocam as pilhas e o pequeno fica olhando a coisa brincar. Carrinhos andam por conta própria, bonecos falam e instrumentos tocam ao simples apertar de um botão (quando não é por comando de voz).

Mas a tia aqui se rebelou a vai remar contra a correnteza! Nico fez dois anos e ganhou de mim um regador e um tomateiro. E não foi uma escolha aleatória, não, foram presentes escolhidos a dedo. O regador porque a figura adora água e descobri que também gosta de regar a grama. Foi o que fizemos juntos aqui em casa no final de semana passado. "Tia Jumbis, mais", ele dizia pra mim. E mais, mais, mais, até a barra da calça ficar ensopada, daí paramos pra não levarmos bronca dos pais. O tomateiro foi escolhido por ser hortaliça que produz fácil em vaso, e até dá pra comprar já com frutos (eu não tive a ideia a tempo de plantar um, então comprei). Como Nico é um menino dos espertos (filho de mãe consciente), já conhece e come numa boa cebola, ervilha, brócolis, tomate... Aponta o dedinho, fala o nome e pede mais.

Está ou não está na hora de aprender a cuidar da comida que gosta de comer? Mal é que não vai fazer!


PS: acabei não produzindo um super embrulho mas inventei um jeito curioso de juntar o kit regador + tomateiro. Foi só espetar um arame grosso na terra do vaso e enfiá-lo pelo bico do regador pra conseguir o efeito de uma mão invisível regando a planta. Ele olhou aquele regador levitando, foi logo passando a mão e rumando em direção à torneira, de sorriso no rosto. Já é dos meus.


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Para o almoço, dióxido de titânio, inosinato dissódico, estearoil lactilato de sódio, hidroxipropilcelulose e mais! Ou como bater chantilly

Mix 7 vegetais desidratados

Dia desses, depois de preparar uma fritadinha gostosa de PTS (proteína texturizada de soja) para o almoço, aproveitei uma troca de e-mails com a Neide para perguntar se ela acha o caldo de legumes industrializado uma criatura muito do mal.
A resposta veio logo, e como eu desconfiei que viria: não gosto do caldo.

Depois disso é que fui ler na caixinha a lista dos ingredientes que tinha acabado de usar. Descobri que se tivesse lido antes nem precisava ter perguntado. Repare:

sal, gordura vegetal, amido, açúcar, cebola, espinafre, alho, cenoura, cúrcuma, alho poró, salsa, repolho, tomate, pimentão vermelho, aipo, abóbora, pimenta do reino branca, realçadores de sabor glutamato monossódico e inosinato dissódico, emulsificante mono e diglicerídeos de ácidos graxos, corantes dióxido de titânio e caramelo IV e acidulante ácido cítrico.

Pra começar, o tamanho das letras na embalagem já é uma afronta. Ainda não estou na idade da vista cansada mas tive dificuldade de desvendar as palavras desconhecidas. As informações "número 1 do Brasil em vendas" e "sem conservadores" aparecem grandes, destacadas, mas o dióxido de titânio (!!!) está mesmo muito bem escondido. A foto da lista de ingredientes (abaixo) foi feita de muito, muito pertinho, por isso você pode ler, mas tente na caixinha e você vai entender o que eu digo.

Caldo de legumes - ingredientes

Dos caldos de carne e de galinha, entre outros, já tinha ouvido falar que são feitos dos restos dos animais que ninguém se atreve a comer, e que quem já viu de perto o processo de produção nunca mais põe um cubinho desses na comida. Eca.

Junto com não gosto do caldo a Neide me sugeriu ter uma caixinha com várias especiarias para combinar na hora, ou já deixar a misturinha pronta pra dar mais graça aos pratos, o que nada mais é que a parte boa do caldo de legumes. Desidratados, todas essas coisas duram bastante e a gente usa do jeito que preferir.

Agora olho de esguelha para o resto da minha caixinha de cubos e não quero mais usar. E como ainda não deu tempo de fazer um bom passeio por um desses mercados municipais onde se encontra de tudo a granel, ando à caça de temperinhos diferentes em supermercados comuns mesmo. Não é muito fácil encontrar algo desidratado além dos óbvios alho e cebola, salsa e cebolinha, pimenta do reino, orégano, manjericão e outras ervas que já tenho na horta, mas num supermercado diferente achei um simpático mix de sete vegetais que apeteceu.

Mix 7 vegetais - ingredientes

É aquele lá da foto no início do post. Já usei em refogado de legumes, risoto e ontem à noite numa sopa. É gostoso e realmente enriquece um pouco o sabor da comida, além de te livrar dos glutamatos, dos inosinatos e do dióxido de titânio, que é ótimo pra remendar quem quebra os ossos mas na minha refeição eu não quero, muito obrigada.

* * *

E alguns dias depois do episódio do caldo de legumes me peguei dando mais uma mancada parecida: para receber visitas em casa fiz uma sobremesa que gosto de enfeitar com chantilly, e com medo de me atrapalhar com a quantidade de preparos e ainda ter que bater creme de leite, acabei comprando o chantilly pronto, em spray. Foi uma dessas decisões que a gente toma sem pensar, porque pensando por 3 segundos eu teria optado mesmo pelo creme de leite fresco.

Primeiro porque o spray de chantilly é aerado, e isso faz com que ele fique bonito só por alguns minutos em cima da sobremesa. Logo se percebe que aquela decoração bonita que você fez está murchando, e em pouco tempo aquilo vira uma coisa branca derretida horrível.
Segundo porque, para economizar cinco minutos de batedeira e o trabalho de colocar o chantilly dentro de um saco com bico de confeitar, eu troquei isso:


por isso:

Spray de chantilly - ingredientes

Então, caro(a) amigo(a) doceiro(a) inexperiente, não tenha preguiça e também não acredite se um dia alguém te disser que bater chantilly é uma arte, que dá trabalho demais porque suja a batedeira e o saco de confeitar ou que é perigosíssimo você perder tudo porque bateu demais e produziu manteiga.

Encare o desafio e aprenda a bater chantilly: compre creme de leite fresco, dê uma gelada extra nele colocando a embalagem no congelador por 15 minutos (ligue o timer!), tire sua batedeira do armário e fique olhando enquanto ela trabalha pra você. Vai demorar de 2 a 4 minutos para você ter um creme fofo, grosso e branquinho, com ondas bem marcadas. Na dúvida, pare a batedeira, enfie o dedo naquela gostosura e prove, pra saber se está como o chantilly que você conhece. Se ainda estiver muito mole, bata mais um pouquinho. Não demais senão realmente passa do ponto, mas se suas visitas não estiverem com o dedo na campainha, isso não é nenhum drama e serviu para você aprender a fazer manteiga!

terça-feira, 9 de abril de 2013

Flores na salada. As folhas são só um detalhe


Pode-se dizer que flores na salada são ingredientes perigosos. Depois que você começa a usá-las, nunca mais consegue parar. As saladas "comuns" perdem a graça e você nunca mais vai achar bonito um monte de folhas sem flores. Acredite, eu sei do que estou falando, aconteceu comigo.

No sábado tive visitas para o almoço e preparei uma salada de folhas com bolinhas de ricota e flores de gervão (já falei dele aqui). Lindo e gostoso, o prato fez sucesso. É nessas horas que a gente percebe como uma apresentação caprichada faz toda a diferença, porque as folhas eram as de sempre, a ricota era branquela como todas são e o prato poderia ter sido montado de um jeito qualquer, mas as mini-flores ganharam elogios pelo todo.

Não importa se você usa só uma florzinha ou muitas delas. A comida fica mais chamativa, a mesa fica mais colorida e todo mundo se encanta. É como passar um batonzinho antes de sair, ou colocar um broche ou um lenço sobre a camiseta lisa. Duvido você achar que fica melhor sem.



terça-feira, 2 de abril de 2013

Cultive sua própria comida


Meus passeios pela Livraria Cultura costumam ser prazerosos até o momento em que encontro algum objeto de desejo lindo porém carésimo. Daí começa aquele sofrimento do compro ou não compro, compro ou não compro e normalmente acabo cometendo a loucura.

Só que no dia em que encontrei Grow your own food não foi assim.O livro é bonito, super ilustrado, cheio de dicas e informações sobre como plantar comidas no jardim (e em vasos), as fotos são lindas, a encadernação é caprichadíssima, tem capa dura com sobrecapa, a impressão é de muita qualidade e como se não bastasse custa barato! Por R$ 30,20 hoje em dia a gente mal compra um romance nacional de 200 páginas.

Comprei e recomendo muito. Você aprende desde o básico até as melhores ervas e hortaliças para plantar em cada começo, meio e fim de estação, dicas de semeadura, cultivo e colheita, como lidar com pragas e com os problemas mais comuns do dia a dia. O livro também tem receitas boas de pratos fáceis, sopas e saladas para preparar com a colheita da horta.

E além disso tudo você tem uma ótima oportunidade de treinar seu inglês e adquirir vocabulário útil. Vai que uma hora dessas você viaja e precisa pedir comida num lugar de língua inglesa? É fundamental saber o que são peas, leeks, cucumbers, cabbages, brussels sprouts, radishes... pra não ficar só nos potatoes e tomatoes, não é?

Grow your own food
Ivy Contract
Parragon Books
2010

segunda-feira, 18 de março de 2013

Gelatina de frutas ou frutas de gelatina? Moranja, maracuvá, pitão... invente as suas!


Sobremesa colorida alegra a mesa e todo mundo gosta. Ainda mais quando dá pra aproveitar as cascas que sobraram do suco e brincar com a criançada de batizar frutas que só existem quando a gente inventa. Gelatina de morango na casca de laranja vira moranja, casca de maracujá com gelatina de uva vira maracuvá, pitaia com limão vira pitão e por aí vai.

Como fazer, acho que você já imagina. Frutas cortadas ao meio raspadas com colher e preenchidas com gelatina morninha, quase fria. Fiz com um pouco menos de água do que manda a caixinha; quatrocentos mililitros ao invés de meio litro. Na hora de servir é só fatiar com uma faca bem afiada, pra fruta inventada sair linda.

Melhor ainda só fazendo gelatinas naturais com suco de fruta de verdade, mas eu só tive essa ideia depois de tudo pronto. Que tal você experimentar e voltar para contar?

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Alho mineiro - o Allium sativum de variedade incógnita


Conheci o alho mineiro (Allium sativum var. ?) pelas mãos da Cidinha, que conheci pelos frutos da Missão Cambuci. Ela, o marido Winfried e o filho Daniel vieram ao sítio ver minhas experiências com a espécie em extinção e me trouxeram dentes do alho de presente. Mal sabia eu que o alho mineiro é uma variedade de alho com pouca informação disponível. Não deve estar correndo risco de extinção, mas não sei porque não se fala muito dele em lugar nenhum.

Naquela época ainda não tinha pesquisado nada, só fiz o que a Cidinha mandou. "Enterre os dentes no final de abril e pronto. É como qualquer outro alho, nasce fácil e de cada dente enterrado nascerá uma planta, que produzirá uma cabeça inteirinha". Enrolei um bom tanto e acabei só plantando em meados de junho, mas logo vieram os primeiros brotos e realmente tudo aconteceu sem problemas; não tive cuidado nenhum além das regas frequentes. Enterrei os dentes a 15 cm de distância uns dos outros, todos germinaram bem, não deu praga nenhuma, tudo fácil.

Já se passaram seis meses e nada das folhas secarem - essa é a dica do momento certo para desenterrar as novas cabeças de alho originadas pelas plantas - mas nesses dias teve surpresa boa: lindas flores lilases enfeitando o canteiro e atraindo insetos polinizadores. Diferente de outras flores, que em botão têm as pétalas enroladinhas, as do alho vêm em um buquê que nasce espremido, embrulhado por uma película fina que um dia arrebenta como numa explosão de fogos de artifício.



Dias depois, na recepção de um prédio de consultórios em São Paulo, descobri que aproveita-se a flor do alho em arranjos ornamentais.


Pelo jeito o alho de qualquer espécie e variedade é bom para tudo, e a julgar pela quantidade de vezes que o prefixo anti e o sufixo protetor aparecem em suas propriedades, ele tem vocação para panaceia. É antitrombótico, antifúngico, antibacteriano, antioxidante, antitumoral, hipotensor, hepatoprotetor, cardioprotetor, hipoglicemiante...
Antigamente era utilizado na conservação de carnes e até na de cadáveres; os egípcios utilizavam-no em parte do processo de mumificação dos mortos.

As características do cultivo do alho são bastante específicas, e eu não sabia de nada disso quando plantei os meus: a planta prefere solos leves, ricos em matéria orgânica e bem drenados. Terrenos úmidos atrapalham o bom desenvolvimento das raízes, o que prejudica a nutrição e interfere na formação dos bulbos, as cabeças de alho. Depois de enterrar os dentes de alho com a ponta para cima deixando uma camada de terra de 2 a 3 cm sobre eles, deve-se espalhar palha ou folhas secas sobre a superfície do canteiro, assim a temperatura no subsolo se mantém menor do que a do ar, e é de solos mais frios que a planta do alho gosta.

O processo de colheita deve ser iniciado quando as folhas começam a amarelar e secar. Arranca-se as plantas inteiras, e se isso é feito durante um período sem chuva a durabilidade do alho é favorecida. Se a colheita for feita pela manhã, em dias secos e ensolarados, melhor ainda. Depois de arrancadas, as plantas devem ser dispostas sobre o canteiros com os bulbos direcionados para o nascente, com as folhas de uma fileira cobrindo os bulbos da fileira anterior. Esse é o processo de cura preliminar.

Depois de 3 dias de exposição indireta à luz solar, os bulbos passam para um processo de cura mais lenta, feito em galpões parcialmente iluminados, muito secos e arejados. Durante esse período, que pode variar de 20 a 60 dias, acontece a perda gradual de umidade que garante as propriedades do alho e favorece sua durabilidade. No caso de enrestiar o alho (réstia: trança feita com os caules e folhas de alho e de cebola), o processo de cura pode ser mais curto, já que é necessário manter um pouco da umidade nas folhas para trançar as réstias. E depois delas prontas a cura continua, já que as folhas ali trançadas continuam favorecendo a lenta perda de umidade pelos bulbos.

Os que ganhei da Cidinha foram produzidos, colhidos e curados por ela mesma, e foram esses os primeiros alhos mineiros que conheci. Eles são a cara do alho comum, mas um tanto maiores, de pelezinha branca transparente e têm sabor bem mais suave. Também me pareceram um pouco mais suculentos, mas não sei se são sempre assim ou se isso varia de acordo com o tempo de cura.

E agora, pesquisando para escrever esse post, descobri que pouco se fala e se cultiva dessa variedade. Na internet, pouca coisa encontrei, e nos livros e manuais sobre horta a que tive acesso trata-se todos os alhos como um só, apesar da frequente menção de que existem mais de 600 variedades.

O meu mineiro, discreto e misterioso, ainda não colhi, mas estou curiosíssima. Por enquanto curto só as flores, mas mostro o resultado da produção quando chegar a hora.
Será que se dão bem em vasos?

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O primeiro Terra Madre Day a gente nunca esquece


Ontem foi o Terra Madre Day, dia marcado pelo Slow Food para celebrar a terra e o que ela nos da. Muitos eventos aconteceram simultaneamente em todo o mundo, e em São Paulo teve Dia de Campo Urbano - identificar e colher, cozinhar e comer, promovido pela Neide Rigo.

Um bando de 14 foragidos do trabalho saiu, em plena segunda-feira, para caminhar pela Lapa com a missão de identificar e colher espécies comestíveis que nascem pelas ruas do bairro. Guiados pela Neide e com um pouco de colaboração e experiência de cada um do grupo (com ênfase nos incríveis conhecimentos do Guilherme), enchemos nossas sacolinhas com folhas, frutos, bulbos, legumes e ervas medicinais e aprendemos muito, principalmente no que diz respeito às possibilidades de um paisagismo mais útil e caprichado em qualquer grande cidade. Se haverá plantio de árvores, por que não frutíferas? Como trepadeiras para fechar muros e grades, por que não maracujás?

Grumixama amarela (Eugenia brasiliensis)


Vassoura-relógio (Sida rhombifolia)

Devidamente uniformizados com nossos crachás adesivos do Terra Madre Day, conhecemos a face "roça" da metrópole, lugar onde nascem mangas, bananas, tamarindos, limões cravo, graviolas, inhames, batatas-doce e dezenas de outros alimentos, e onde crescem também muitas variedades de matos comestíveis e ervas medicinais que pisamos em cima sem nem desconfiar que existem. Na Europa, por exemplo, vende-se dente-de-leão (Taraxacum officinale) em feiras livres, enquanto aqui no Brasil ele nasce espontaneamente em cada fresta e rachadura de calçada por onde andamos. Colhemos um bom tanto deles, para a salada.

Dente-de-leão (Taraxacum officinale)

Pelo caminho também encontramos feijões, uma linda espécie de mini pepininhos silvestres...

Vagens de feijão de espécie não identificada

Mini pepinos comestíveis (Melothria pendula)

... e cúrcumas, plantadas pela Neide e algumas crianças em uma pequena praça mal cuidada mas arborizada com lichias e uvaias, onde, até hoje, certamente pouquíssima gente parou para reparar e experimentar. Pois ali cavamos e desenterramos lindos bulbos amarelo-ouro com cheiro de terra para colorir o almoço.


No final do passeio, bolsas e bolsos passeavam cheios de plantas, frutos e matinhos que virariam nossa refeição.

Fábio e sua muda de café "plantada" no bolso

Buquê de sementes de maria-gorda (Talinum paniculatum)

Tudo foi colocado sobre a mesa da casa da Neide e, junto com os ovos doados e as laranjas que levei de presente na semana passada (deste post aqui), fizemos um belo conjunto de alimentos coletados por nós. Nada de compras, muito menos de comidas processadas. Tudo fresco, natural e recém-colhido nas ruas da quinta maior cidade do mundo. Pura celebração à terra.


Com 28 mãos na massa, em pouco tempo tínhamos muito suco de laranja, de tamarindo e de manga verde (espetacular, batido com água e um pouco de açúcar) e alguns pratos em andamento.


Folhas de caruru enfeitaram de verde o risoto de arroz integral e feijões que já tinha sido pré-preparado pela Neide, bananas verdes viraram nhoque romano e também um delicioso purê inventado na hora por ela e decorado com as sementes de maria-gorda do Guilherme, e as mangas, igualmente verdes, foram transformadas em chutney cru, temperado com pimenta, cebola, cominho e sementes de coentro. Na salada verde nem uma única hortaliça convencional, mas uma coleção de matos comestíveis: serralha, caruru, dente-de-leão, mentruz, maria-gorda e tomatinhos-cereja, esses últimos também enquadrados na categoria "mato" porque nasceram por aí, sem terem sido plantados. E teve também molho pesto de buva (Conyza bonariensis), feito segundo a receita da versão tradicional, mas substituindo o manjericão pela erva espontânea. Foi invenção da Cenia Salles, líder do convívio Slow Food São Paulo, e ficou saboroso, um pouco picante, perfeito.


Às quatro da tarde, quando deixei a festa que ainda entrava na etapa da sobremesa, me despedi de 13 pessoas felizes, que com certeza se lembrarão para sempre do nosso primeiro Terra Madre Day. Que venham muitos mais, e que possamos nos juntar novamente para celebrar uma alimentação rica, bonita, saudável e repleta de histórias para contar.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Laranjas a preço de banana e, ainda assim, no lixo


Este ano ficará na memória dos produtores de laranja como o ano do prejuízo. Plantou-se demais, comprou-se de menos e quem viaja pelas estradas do país passa ao lado de pomares cheios de laranja apodrecendo no chão. Não vale a pena colher porque não há onde estocar tanta laranja para ninguém comprar. Com que dinheiro se pagará a mão de obra, o transporte, a estocagem? É mais barato (ou menos caro) deixar perder.

Produtores rurais muitas vezes se deparam com situações como essa, e só sobrevivem os que têm algum dinheiro guardado no bolso e a alma repleta de resiliência, afinal, como jogar fora toda uma safra, o investimento financeiro, o suor do próprio corpo e ainda ter forças para começar tudo de novo para o ano que vem? Transfira essa situação para o seu trabalho, seu dia a dia, e talvez você perceba que não aguentaria o baque.

Nos últimos meses alguns laranjais foram destruídos aqui na região, e ontem, pela cerca, fui testemunha do "basta" de um vizinho. Em meio dia uma retroescavadeira deu fim a parte de um pomar de laranjas para abrir espaço para mais uma aposta, um novo investimento. É duro assistir (e o próprio vizinho não quis presenciar) a máquina derrubando, em minutos, pés de laranja que levaram anos para crescer e, saudáveis, ainda dariam muito suco. Pois dezenas deles foram ao chão e muita laranja sobrou, caída na terra.




Depois da derrubada, tudo foi arrastado para o centro do terreno e colocou-se fogo no miolo da montanha de laranjeiras. Nem é preciso esperar a massa verde secar, o óleo essencial da laranja é inflamável e aos poucos já começa a queimar. Quanto mais rápido acabar, mais rápido se esquecerá. Melhor assim.



Recentemente, neste post, escrevi sobre coisas que se aprende quando passamos a conviver minimamente com algum tipo de produção agrícola, ainda que seja uma horta em vasos. É um mundo completamente diferente do mundo da produção industrial, por exemplo, onde praticamente tudo é previsível e controlável. É no campo, nas fazendas, na roça mesmo, onde cresce nosso melhor alimento. Aquele que não nasceu dentro de máquinas, não foi colorido artificialmente, aquele que não vem dentro de pacotes de alumínio. E o que se conhece dele? Quem se conhece dele? Quantos amigos ou ao menos conhecidos nossos são produtores rurais?

O que um dia para mim foi apenas uma desconfiança, hoje é uma certeza: ambientes (e pessoas) rurais e metropolitanas são praticamente desconhecidos um do outro. Apesar de tão interligados e dependentes entre si. Incrível seria se todo mundo tivesse a oportunidade de conhecer o outro lado, de viver, ao menos por uns dias, as felicidades e dificuldades do outro. Talvez conseguiríamos resolver mais facilmente problemas que existem apenas por desconhecimento da realidade de ambas as partes. Talvez menos comida iria parar no lixo. Talvez todos daríamos mais valor ao trabalho uns dos outros. Talvez, neste ano, tantos laranjais não seriam sacrificados.

Quer ajudar? Participe mais. Mostre, comente, ensine, estude, visite, converse a respeito. E vá já comprar laranjas, que justamente nessa época de calor amadurecem, ficam mais docinhas do que nunca e agora estão a preço de banana.