Passei dois dias observando a mariposa número 1 dentro do borboletário, esperando que ela parecesse um pouco ativa para então soltá-la. Ninguém disse que ela precisaria se mostrar lépida e fagueira para merecer a liberdade, mas ela ali parada o dia todo no mesmo lugar não me dava a impressão de que desejasse ganhar o mundo.
Também tive um pouco de dúvida a respeito da melhor hora para soltá-la lá fora. De dia ou de noite? Como dizem que as mariposas voam à noite, fiquei nesse dilema. Mas uma coisa era certa: dentro do vidro ela estava sem comer (e eu sem saber como alimentá-la) então achei por bem colocar o jardim inteirinho à disposição, para que ela resolvesse isso por si mesma. E me resolvi pelo fim da tarde, assim ainda é um pouco dia mas já vem caindo a noite.
Capturei-a dentro de um copo e fui pra baixo do ipê roxo, não sem antes fazer a foto acima. Foi nesse momento, quando ela abriu as asas, que confirmei se tratar de uma mariposa chamada popularmente de "olho de boi", e de Automeris umbrosa nos livros. Quando está em repouso ela esconde as asas inferiores, mas quando voa (ou se prepara para decolar), se abre toda e mostra dois grandes "olhos" pretos e amarelos bastante característicos da espécie.
Foi bem bonito quando ela entendeu que estava livre e deu duas voltas acima da minha cabeça, antes de escolher um lugar no tronco da árvore para apreciar a nova paisagem. Nova mais ou menos, porque voltou ao jardim de onde saiu lagarta, depois de passar dois meses rodeada pelos livros do escritório. É como a história dos adultos que voltam (transformados) à casa onde nasceram depois de passar um tempo estudando na cidade grande.
No final daquele mesmo dia mais alguém nasceu no borboletário, mas dessa vez com uma história um pouco complicada. Mariposa número 2 teve problemas durante a transformação e saiu da pupa com má formação da asa esquerda. Acontece nas melhores famílias, inclusive na das saturniidae.
Ainda assim a vida continua, por isso, mesmo com sérios problemas para voar ela também foi solta no jardim e vai se virar como pode.
Eu nem sei se o termo é esse, mas a primeira coisa que consegui dizer foi NASCEU!, ontem, no fim da tarde, quando encontrei essa criatura com asas dentro do borboletário.
Talvez ela seja a explicação de uma confusão na contagem que aconteceu nos primeiros dias de borboletário. Me lembro que em algum momento achei que tinha 10 taturanas vivendo ali, mas quando encontrei mais uma no jardim e a levei para dentro do vidro, repeti a contagem e de novo deu 10. É muito pouco provável que tenha acontecido uma fuga, porque o vidro ficou o tempo todo bem fechado, então hoje penso que se todos os casulos estão intactos e apareceu uma mariposa, ela deve ser a sumida que encasulou em algum lugar e eu não vi. É a única explicação.
O fato é que não tive coragem de soltá-la ontem e nem hoje, ainda. E quando amanheceu o dia encontrei uma coisa branca escorrida no vidro onde ela ficou paradinha desde que a descobri. Até agora não a vi voar; está olhando o jardim pela janela, pousada ao lado de onde ficou ontem.
Só que o dia da liberdade tem que ser hoje, porque não sei o que dar para ela comer
e nem faz sentido criar uma mariposa no vidro, coitada. É hora de
ganhar o mundo. E que venham as outras.
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São 32 dias de borboletário e desde o quarto dia novos casulos vêm surgindo. O primeiro aparece no meio, na foto acima, e tem vídeo da construção dele postado aqui, clique para ver. Depois, com o passar dos dias, outros foram ficando prontos, todos construídos em ângulos formados onde os pedaços de madeira encostam no fundo de vermiculita.
Minto. Existem duas excessões: são lagartas mais arrojadas que resolveram encasular no segundo andar. Um aparece acima, e outro, na foto abaixo.
Muitos deles pude observar enquanto eram construídos. O borboletário está no escritório, ao lado da minha mesa de trabalho, perto da janela, e passei muitos minutos assistindo à escolha de pedaços especiais de vermiculita e depois ao encaixe deles nos locais certos, com todo o capricho. Percebi também que as lagartas usam uma espécie de baba para fazer a cola que deixa tudo juntinho e faz o casulo ficar firme.
Algumas usaram na construção pedaços de folhas encontrados no entorno do local do casulo, e alguma mágica fizeram, porque esses pedaços estão verdes até hoje, enquanto outros que ficaram caídos pelo borboletário já secaram faz tempo.
Mas uma pequena lagarta parece que não conseguiu dar continuidade ao seu ciclo. Já há uns dias está caída ao lado de um tronquinho e hoje apareceu mais escura do que estava ontem. Capaz que tenha morrido.
É a menorzinha, que comia bem mas nunca cresceu muito. Quando parou aí nesse lugar achei que iria começar o casulo, mas depois de dois dias de lado, na mesma posição, achei por bem dar uma cutucadinha e conferir se estaria viva. Estava, porque se mexeu um pouquinho. Mas agora há pouco cutuquei de novo e acho que foi viver no céu das lagartas.
E sobrou uma última, retardatária, que come sem parar e já está causando prejuízo nas minhas touceiras de maranta. Dei as folhas que estava feias, amarelando, depois dei umas furadas e rasgadas e agora estou dando folhas bonitas e saudáveis para alimentar a princesa, que de mimada que está não quer saber de passar para a próxima etapa.
Já são 7 centímetros de pura vitalidade, da grossura de um dedo, e crescendo, crescendo...
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Depois de alguns dias envolvida e postando sobre lagartas e casulos, recebi do Luciano Azzolini - um amigo de pouco tempo mas já muito parceiro - dois links para a música Metamorfose da borboleta, do Hélio Ziskind. Num deles ela é cantada pelas galinhas do Cocoricó, e o outro mostra o próprio Hélio com sua banda apresentando a música no SESC Vila Mariana, em São Paulo.
Hélio Ziskind é músico e compôs temas para diversos programas como Repórter Eco, Nossa Língua Portuguesa, Castelo Rá-tim-bum e Cocoricó, entre muitos outros. Quem tem criança em casa sabe da inteligência e do poder de encantamento das músicas dele, e certamente já se pegou cantarolando muitas delas sem nem o filho presente.
Assista a esses dois vídeos e me diga se essa música, que eu não conhecia, não é
Lagarta número 1 sentiu que estava chegando a hora de se transformar e, no quarto dia da montagem do borboletário, partiu em busca de um canto aconchegante para pupar. Deu muitas voltas, examinou ângulos, esquinas e áreas livres e acabou optando por uma caverninha no tronco maior. Eu, que achava que ela ia se pendurar, estava enganada. Descobri que foi bom ter colocado madeiras à disposição das hóspedes.
Também entendi a sugestão do João Angelo de cobrir o fundo do vidro com vermiculita. Algumas lagartas fazem aquela crisálida penduradinha que encontramos frequentemente presas às paredes, e outras fazem seus casulos juntando gravetos, pedacinhos de plantas e gominhos de terra. As que se penduram se viram sozinhas, mas para as outras é preciso disponibilizar "material de construção". Acho que é assim.
Na foto lá do alto está o início dos trabalhos, às 14h05m, sob supervisão de uma companheira que passava pelo local. Em seguida estão a etapa do meio, às 18h29m, e a casa pronta, no dia seguinte ao meio dia.
Para quem gosta de acompanhar passo a passo a engenharia da coisa, vai mais um video. E volte logo, que devemos ter mais novidades nos próximos dias.
Parecia até que o dia ontem estava ganho. Fingi que não tinha mil coisas a fazer e passei a manhã toda às voltas com a preparação de um borboletário; finalmente, depois de tantas lagartas!
A última turma que apareceu aqui foi de Automeris sp., uma das espécies mais bonitas que conheci nesse ano. Encontrei algumas delas comendo as marantas de um canteiro novo, que ainda nem acabei de plantar. Eu trabalhando em uma ponta e elas comendo o que eu havia acabado de plantar na outra. Oportunidade melhor, impossível.
Nas semanas que passaram andei guardando umas e outras lagartas em vidros, a maioria lagartas-cachorrinho, mas estava meio improvisado porque os vidros eram pequenos e mal cabiam as folhas para alimentar as aprisionadas.
Pois ontem acordei profissional e resgatei um aquário de 45 litros embrulhado há anos. Nem precisava ser tão grande, mas o espaço foi perfeito pra brincar de paisagista oriental e fazer um jardim zen para as meninas. Junto com o vidro tinha guardado alguns pedaços de toco de madeira que faziam parte do aquário, e usei também no borboletário. Decoração absolutamente desnecessária no quesito funcionalidade, mas fez toda a diferença na boniteza final.
Segundo João Angelo, técnico do Laboratório de Entomologia e Acarologia da ESALQ, para fazer um borboletário básico você só precisa de um vidro com um pouco de substrato no fundo (pode ser terra ou vermiculita) e das folhas que a lagarta estava comendo quando você a encontrou. É que cada espécie de lagarta tem hábitos alimentares específicos, e pode ser que seja difícil descobrir, na base da tentativa e erro, o que vai apetecer a uma lagarta que você encontrou andando por aí. Você pode tentar folhas de couve, de repolho, mas é bem mais garantido conseguir alimentar uma que você tenha encontrado comendo. É só manter o cardápio que ela escolheu.
Além disso, muitas vezes encontra-se lagartas já andando à procura de um lugar onde vão passar pelo processo de metamorfose, e nesse momento elas não querem mais comer, não adianta oferecer alimento. Nessa fase elas precisam mesmo é de um lugar seguro onde vão virar pupa. Esse é o nome do casulinho que constroem quando chega a hora de mudar de estágio. Algumas pupas são chamadas de crisálidas por causa da coloração dourada que têm. Em grego, chrysós significa ouro. E uma curiosidade bem legal: aurélia (aurus é ouro em latim) foi um termo usado no passado para as crisálidas, e dele surgiu aureliano, que é quem estuda o processo de saída da borboleta da crisálida.
Enfim, se você quer acompanhar um lepidóptero em transformação, colete uma lagarta ainda se alimentando e com um pouco de sorte você vai vê-la borboleta.
Conheci o João Angelo enquanto navegava tentando identificar espécies, e escrevi pra elogiar o blog que ele escreve sobre borboletas e perguntar se ele não gostaria de identificar as que fotografei. Ele, super simpático, me respondeu sugerindo que eu fizesse o borboletário, porque é mais fácil identificar os indivíduos adultos (borboletas e mariposas) do que os imaturos (lagartas e taturanas) que tenho mostrado aqui no blog.
Lavei o aquário, coloquei vermiculita no fundo (por acaso tinha comprado recentemente, para o viveiro), ajeitei os tronquinhos e fui coletar folhas e lagartas. Já tinha percebido que as folhas de maranta enrolam rapidamente depois de cortadas, e murchas assim as lagartas não querem, então instalei dois vasinhos de vidro com água dentro do borboletário para manter as folhas mais frescas até serem devoradas.
Com pauzinhos e a ponta de uma tesoura caçei uma a uma as sete peludas que encontrei, e com paciência fui passando todas para dentro da casa nova, convencendo-as de que as instalações são de primeira.
Nos primeiros minutos andaram bastante, fazendo o reconhecimento da área. No vidro não conseguiram subir - acho que ficou escorregadio depois da limpeza - mas logo encontraram as madeiras e as folhas.
O nhac-nhac começou em poucos minutos e logo já davam cabo de grandes pedaços de folhas. Como comem! E como "descomem"! Em menos de uma hora os cocozinhos pretos já caíam na vermiculita.
Hoje foi o dia 2 do borboletário; vamos ver quanto tempo dura a brincadeira. Enquanto isso deixo vídeos, para quem quiser passar minutos a fio assistindo junto comigo ao hipnotizante programa A vida das lagartas.