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sexta-feira, 19 de novembro de 2021


No primeiro dia de caixa nova e fechada no Laboratório, monitorando as meninas pelo plástico transparente, percebi um forídeo aparecer lá dentro e consegui matá-lo, espremendo o bicho entre o plástico e uma travessa de madeira. Algumas horas depois vi mais um, que voou para o fundo e escapou de mim. No dia seguinte outros quatro apareceram. Consegui fazer com que alguns voassem para fora da caixa, outros consegui matar, mas aquilo começou a me preocupar. Como eles apareciam cada vez mais ali dentro se nenhum conseguia entrar?

Então, no terceiro dia, depois de matar o nono desgramento, tomei a decisão de abrir a caixa novamente dentro do banheiro lacrado para ter acesso ao fundo de tudo, que não era possível ver olhando de cima, pelo plástico.

O que encontrei baixou um pouco meu astral: dezenas de abelhas mortas, muito lixo acumulado e larvas, diversas larvas andando pela madeira, se enroscando em pedaços de cera e subindo pelas paredes. Sem falar de alguns casulos (as pupas, onde acontece a transformação de larva para ser voador) e forídeos adultos voando ali pelo meio. Desanimador. Descobri que não tinha conseguido limpar tudo na transferência, talvez tivessem sobrado ovos e larvas escondidos entre as camadas do ninho, onde não mexi muito para não estragar. A infestação continuava em andamento e a colônia ainda precisava da minha ajuda intensiva.

Virei o módulo inferior da caixa de cabeça para baixo, jogando fora todo aquele lixo e raspei a madeira com uma colherinha, catando todas as larvas que pude ver. Fiz realmente uma boa busca, e posso dizer que naquele módulo de madeira não sobrou nenhuma.

Enquanto isso as abelhas, agora sim estressadas, voavam por todo o banheiro, fazendo um zum zum zum forte que não tinha acontecido ainda. Segurei firme minhas próprias rédeas, me forçando a ficar calma e domando uma irritação que teimava em vir, porque eu era a única ali que podia fazer alguma coisa. Estava sozinha, eu com meus instintos e ferramentas, e tinha que encerrar aquilo da melhor maneira possível. Para elas.

Nessas horas, pensar em que já passou por perrengue maior que o seu dá uma certa força e a sensação de que a coisa até que não está tão ruim. Um médico, exausto durante uma cirurgia complicada, deve se sentir muito pior, pensei. Tamara Klink, dentro de uma tempestade, certamente passou mais dificuldades. E no meio do oceano a abelha morta seria ela mesma, caso a calma não a ajudasse a pensar.

Então remontei as metades de cima e de baixo da caixa, recoloquei as vedações de fita crepe e comecei a pegar as abelha, uma a uma nas pontas dos dedos, dessa vez contando. Mais uma vez o trabalho parecia infinito, mas por volta da número cinquenta e poucos fui enxergando o final daquilo. Terminei mesmo na sessenta e dois, e pelo silêncio dentro do banheiro tive certeza de que tinha pego todas de volta.

Passei mais três dias com elas fechadas na caixa, só observando pelo plástico, e fiz a mesma limpeza uma vez por dia, abrindo tudo, deixando todas voarem pelo Laboratório, recolhendo todo mundo de volta e notando que a cada dia tudo parecia melhor e mais fácil. Menos abelhas mortas, menos larvas vivas, nenhum forídeo voando, e então chegamos ao quinto dia desde a transferência, tempo limite para mantê-las presas sem ir a campo.

Pedi "asilo" no sítio de uma amiga, bem perto do meu, para que elas recomeçassem a vida num novo ambiente, sem a presença de saqueadores que ainda procuravam por elas aqui nas minhas instalações. Fiz a abertura da caixa numa manhã gostosa de sol morno, ainda bem baixo, desenhando sombras longas ao pé das árvores, e fiquei junto, porque há mais de dez dias nossas vidas estavam assim, correndo lado a lado.

Nos primeiro minutos não saiu ninguém, e tive a impressão de que elas tinham até se esquecido de como era sair de casa pela porta principal, de onde se voava para frente e não para cima, de onde se vê o verde da grama e da copa das árvores, ao invés do teto e da lâmpada de um banheiro. Mas então veio uma, que chegou na beiradinha do furo e parou, titubeante. E depois veio outra, que parou ao lado dela, pensando junto. E então as duas saíram ao mesmo tempo, puxando um cordão de outras abelhas como um colar de contas, espaçadas por intervalos de pensar e observar antes de alçar voo livre outra vez. Foi bonito demais!

Meu trabalho ainda não acabou. Faço visitas diárias para observar se estão agindo normalmente, voltando do campo com pólen e resina nas perninhas, construindo as estruturas de batume do interior da caixa e formando novos depósitos de mel. Levo meus apetrechos para o sítio onde estão e passo horas trabalhando ao lado delas, acompanhando os progressos e vigiando visitas suspeitas. Forídeos estão por aí, em todos os lugares, à espreita de uma colônia fraca que não consiga se defender. Têm faro apurado e são capazes de perceber de longe o odor de um pouco de pólen fermentado, mal cuidado, pedindo para ser atacado.

Uns e outros já se aproximaram e tentaram invadir a caixa, mas descobri a tempo e consegui espantá-los, antes que se instalassem e começassem a botar ovos. Em alguns momentos me pego chateada, achando que vai começar tudo de novo e não vou conseguir fortalecer esse enxame. Em outros momentos sinto segurança de que estou fazendo o melhor possível e que é assim mesmo, difícil mas possível. É isso o que Cristiano já me disse várias vezes.

A esperança vai e vem, ao sabor dos voos, para cima e para baixo.

Resta seguir em frente, sem sofrer por antecipação e sem desistir. Sou como elas, mais uma abelha operária, a atual responsável pela segurança e saúde do enxame, e assim como todas as outras tenho que sair de casa de manhã pela portinha da frente, e mergulhar num voo livre e firme, com energia e segurança do que tem que ser feito.








domingo, 14 de novembro de 2021

A torre central da colônia de abelhas, o famoso "ninho", formado por discos de células hexagonais onde a abelha-rainha bota um ovo e dele nasce uma abelha.


Como sempre, na linha de largada de qualquer desafio é importante combinar com você mesmo o que deve ser feito. Repassei o plano de ação na cabeça, abri a tampa da caixa, tomei coragem e comecei, retirando o barro das beiradas para abrir acesso ao ninho, uma torre central. Me surpreendi com abelhas mais calmas do que imaginei, que mais andavam sobre o que eu mexia do que voavam querendo fugir. Fui trabalhando com calma e cuidado, seguindo meus instintos para fazer a coisa da melhor maneira possível. O mais importante de tudo é transferir os discos de cria, um em cima do outro, desmontando essa estrutura o menos possível. Além disso, a rainha, que fica andando por esse "andares" da maternidade, não pode ser machucada nem perdida. De jeito nenhum ela pode ficar para trás, esquecida na caixa antiga. Mas ela normalmente ajuda, porque corre para o centro do ninho, para se esconder, então a transferência cuidadosa de toda a torre central da colônia leva ela junto, sem maiores estragos. Outra facilidade é que muitas das abelhas jovens, que ainda nem voam, ficam sempre pertinho da rainha, então vão todas em bloco, nessa transferência.

Depois de ajeitar a "sede" dessa linda organização nas suas novas instalações, topei com o núcleo da bagunça: centenas de larvinhas brancas andavam pelo fundo da caixa antiga, em meio a uma gosma de mel escorrido e pólen fermentado. Em poucos dias, tudo dentro da colônia teria sido destruído por essa onda de saqueadores que vinha avançando, silenciosamente, de baixo para cima da caixa.

Continuei com os trabalhos de mudança, descartando as sujeiras e salvando materiais limpos e sadios, enquanto abelhas jovens andavam por toda a bancada, meio sem rumo, e abelhas adultas voavam pelo banheiro, pousando no teto e nas paredes. Eu já devia estar ali há mais de meia hora, trancada naquele cubículo de pouco mais de um metro quadrado, cada vez mais quente e abafado.

Foi fácil capturar quem só andava, mas foi quase infinito o trabalho de pegar, uma a uma, as que voavam fugindo de mim. No início usei a velha técnica do copo com a lâmina de plástico, encaçapando a abelha na parede e pegando ela ali, presa, que é muito mais fácil. Mas logo virei gente grande e passei a praticar a captura em voo, segurando quem voava no entorno da lâmpada e bem rentinho ao teto. Como podem ser rápidas as pinças naturais que temos nas mãos! Virei uma máquina de pegar, colocar na caixa e tampar, pegar, colocar na caixa e tampar, pegar, colocar na caixa e tampar. Dezenas, talvez uma centena de vezes. E se acontece de uma sair quando você coloca outra pra dentro? Lógico!

Uma hora depois telefonei para Sr. Miyagi, ainda ali fechada no Laboratório quente, pra contar que tinha acabado de realizar minha missão e que estava feliz por ter feito tudo sozinha. Eram boas as notícias e, agora sim, parecia que a coisa ia funcionar. Ouvi dele os parabéns, mas que ainda havia muito o que fazer: nos próximos três ou quatro dias a colônia deveria continuar bem fechada, trabalhando para reconstruir à sua maneira as instalações da nova morada, enquanto eu colocaria néctar e pólen para alimentá-la. Tudo muito aos poucos, sem exagero, para que nada fermentasse e não corrêssemos o risco de gerar um novo odor atrativo para forídeos. Trabalho de formiguinha. Ou melhor...


A meleca de mel e larvas no fundo da caixa, que fermentava e atraía cada vez mais 
forídeos pra dentro da caixa de criação



O ninho visto de cima, já com o módulo superior da caixa colocado



O plástico que cobre tudo, logo abaixo da tampa de madeira,
por onde a gente pode olhar sem que nenhuma abelha escape.
E o ninho coberto com uma lâmina de cera alveolada, pra garantir conforto térmico e
facilitar o trabalho das abelhas, que teriam que começar toda essa
proteção do zero, se eu não tivesse dado uma mãozinha.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021


A grande questão da invasão de forídeos passou a ser descobrir se eles já haviam se instalado na colmeia ou se todas aquelas sessões de sopro tinham conseguido evitar isso. A estratégia, então, foi fechar as abelhas dentro da caixa no final do dia, quando todas voltaram do campo para passar a noite em casa, levá-las para morar no banheiro, longe da "fonte" de forídeos da mata, e continuar soprando por mais um tempo. Assim, sem que mais nenhum invasor pudesse entrar, seria possível descobrir se eles já nasciam lá dentro.

E infelizmente essa foi nossa conclusão, depois de dois dias de mais invasores do que abelhas dentro da caixa. Eles não paravam de aparecer, eu não parava de matá-los com a raquete, e o banheiro já tinha bichos mortos por todo o chão, além de alguns espremidos nas paredes. Minha rotina já tinha virado de cabeça para baixo, tarefas de trabalho atrasadas começaram a se acumular, as abelhas certamente estavam estressadas, e o pior: agora era certo que o enxame estava realmente em risco. A cada hora que passava mais larvas nasciam, mais alimento das abelhas era comido e a rainha certamente iria perceber essa bagunça e parar de fazer a postura de ovos, o que decretaria o fim da colônia se não fosse revertido a tempo. Porque quando não nascem mais trabalhadores a população vai diminuindo conforme os mais velhos vão morrendo, e o fim se aproxima.

- Então agora você não pode demorar, Juliana. Quanto mais o tempo passa, pior fica, me disse o Cristiano. Você vai ter que fazer a transferência da colônia para uma caixa nova, levando toda a estrutura do ninho das abelhas o mais intacta possível, além de pedaços de cera e batume da caixa antiga para que elas possam construir as estruturas internas das novas instalações. E faça a inspeção de tudo com atenção, para não levar junto ovos, larvas nem forídeos adultos.

Chama desafio, isso, e de vez em quando eu gosto de encarar um deles!
Em poucas horas montei uma bancada cirúrgica em cima do vaso sanitário do banheiro, que naquele momento ganhou o nome de Laboratório, com L maiúsculo. Juntei apetrechos que eu já tinha e mais alguns que imaginei poder precisar:

- uma colher de sopa e uma espátula de pintura dobradas em 90 graus, para suspender o ninho apoiando por baixo
- formão, alicate e chave de fenda para soltar o batume duro das paredes da caixa
- lâminas de cera para ajudar nas novas construções
- potes vazios para guardar mel e pedaços de cera
- rolos de fita crepe larga e estreita
- papel higiênico
- canudinho de soprar forídeos
- copo transparente e lâmina de plástico rígido para pegar abelhas pousadas nas paredes
- uma nova caixa de madeira para a colônia, que por sorte eu já tinha
- um banquinho e um copo d'água para mim, porque não sabia por quanto tempo ficaria trancada no meu novo Laboratório

Avisei marido e o pessoal do sítio que ficaria ali fechada por um tempo, sem poder abrir a porta, mas que eles poderiam falar comigo se precisassem de alguma coisa. E que se eu começasse a demorar demais para sair, eu ficaria feliz se eles me perguntassem se eu estava viva, respirando, hidratada, precisando de comida ou de alguma ajuda.

Revisei minhas ferramentas, fechei a porta do Laboratório, olhei a caixa onde estavam as abelhas, a caixa nova para onde elas iriam e respirei fundo. Naquele momento lembrei da Tamara Klink, de 24 anos, que há poucos dias tinha chegado ao Recife depois de cruzar em solitário o oceano Atlântico, "trancada" num barco de 8 metros de comprimento.
Isso aqui vai ser bico, pensei.

Continua amanhã, no próximo post.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021


Estou há dias lidando com a invasão de forídeos numa colônia de abelhas Mandaçaia. É minha primeira vez convivendo com um problema tão sério, que em poucas semanas pode acabar com a vida de centenas de abelhas, e não imaginei que tomaria tanto do meu tempo e da minha preocupação.

Forídeos são pequenas moscas, parecidas com as mosquinhas das frutas, que invadem enxames  enfraquecidos de abelhas sem ferrão e se aproveitam da sua estrutura para se alimentar e se reproduzir. Os estoque de pólen feitos pelas abelhas para alimentar suas crias são saqueados pelos forídeos adultos, que neles colocam seus ovos. Pequenas larvas nascem alguns dias depois em meio a todo aquele alimento e se fartam comendo feito loucas, crescendo o mais rápido possível para tomar conta de tudo, tentando ser mais eficientes do que as abelhas em sua capacidade de se defender.

Mais ou menos o mesmo acontece com nosso organismo quando é atacado por um vírus da gripe. Começa uma guerra por sobrevivência, e quem for mais rápido, mais forte e tiver a melhor estratégia é quem acaba vencendo, se estabelecendo e assistindo o fim trágico do outro. Não há espaço para os dois.

Assim como a gente procura um médico quando se sente realmente mal, pedi ajuda ao Cristiano Menezes, entomólogo especializado em abelhas sem ferrão, com quem tenho ensaiado parcerias e projetos para o ano que vem na nossa escola de educação ambiental, a Escola Orgânica.

Cristiano tem tido uma paciência de monge budista, respondendo minhas dúvidas em áudios longos e detalhados. Desde o primeiro dia em que notei a presença de diversas mosquinhas tentando entrar na caixa e poucas abelhas na entrada para evitar a invasão, mando mensagens descrevendo o que vejo e ele responde dizendo o que devo fazer para evitar o avanço da tragédia. São diversas possibilidades, diversas opções de tratamento, há que se analisar com calma.

Certamente as avaliações e diagnósticos teriam sido muito mais rápidos e eficientes se ele tivesse vindo aqui tomar as providências pessoalmente enquanto eu só assistia, mas a agenda apertada dele me colocou pra observar, trabalhar sozinha e adquirir uma experiência que eu ainda não tinha. É assim com tudo na vida, não? Saber a teoria nos da uma falsa confiança que rapidamente é desbancada quando se põe a mão na massa.

No momento me sinto numa versão ecológica do filme Karatê Kid - A hora da verdade, quando Sr. Miyagi coloca Daniel San para envernizar centenas de metros da sua cerca de madeira, desenvolvendo um movimento específico das mãos que é fundamental para a prática da arte marcial.

Aqui no meu remake estou há três dias repetindo o mesmo ritual: tiro a caixa das abelhas de baixo das árvores, levo pra dentro do banheiro da escola e abro a tampa de cima, para soprar lá dentro com um canudinho flexível de plástico. O objetivo é espantar os forídeos de lá antes que eles se estabeleçam e comecem a colocar ovos. Não vejo muito do que está acontecendo dentro da caixa, que é toda cheia de cavernas de barro construídas pelas abelhas, mas vou enfiando o canudo pelos buraquinhos e soprando o máximo que consigo, durante minutos a fio. Quando já não sai mais nenhum fecho a caixa e, de raquete elétrica em punho, vou matando todos os morféticos  que ficam voando pelo teto do banheiro. Para quem gosta daqueles estalos de mosquitos eletrocutados, é a atividade perfeita!

Depois de matar todos muito bem matadinhos, volto a caixa para debaixo das árvores, para as abelhas seguirem com seu trabalho no campo. E algumas horas depois lá vou eu de novo, levar a caixa pro banheiro, soprar o canudinho, dar espetáculo de raquete elétrica... Isso tudo acontece quatro, cinco, seis vezes por dia, porque novos forídeos do ambiente entram na caixa, atraídos pelos feromônios dos que já estiveram lá dentro e pelo cheiro de pólen que sai dos depósitos invadidos.

A conferir, nos próximos dias, o resultado dessa batalha.



 

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

 



A primavera desta vez chegou adiantada, ainda nas últimas semanas de inverno, nas asas de passarinhos tão apressados que pareciam até atrasados.

Sabiás, sanhaços-azuis, bem-te-vis e beija-flores rapidamente construíram ninhos nas copas densas das árvores, nas moitas espinhosas do jardim e em cantinhos protegidos da nossa casa.

Enquanto a Sabiá-do-campo coletava barro pra sua cuia de raízes e ramos no vitrô do banheiro, a beija-flor ajeitava paina, matinhos e musgos no caule de uma folha de samambaia na varanda, formando a cestinha mais delicada, confortável e pequenininha que se pode imaginar.

De dentro da casa, observando as engenheiras pelas frestas e vidros, tentamos atrapalhar o mínimo possível, tomando banho de vitrô fechado e regando menos as plantas da varanda. Resultado: um banheiro super úmido, as plantas sofrendo por falta de água e nossa porta principal interditada.

Depois de alguns dias de adaptação a sabiá se acostumou com a lâmpada que às vezes acendemos à noite - afinal não é legal fazer xixi nem escovar os dentes no escuro - e a beija-flor entende que de vez em quando preciso ligar a mangueira e jogar água na varanda. Quando me aproximo, ela voa rapidinho para a árvore logo em frente e de lá me observa, com um misto de confiança e receio, enquanto eu não resisto e dou umas espiadas discretas dentro do ninho. Se começo a me demorar demais, ouço seu tic tic tic impaciente me pedindo que acabe logo e libere o lugar, porque ela precisa voltar ao seu trabalho de chocar.

Com muito cuidado e sem tocar em nada andei fazendo umas fotos, e agora conto os dias para o nascimento das crianças. Que pena que não vou poder segurar nenhuma no colo!

sexta-feira, 3 de abril de 2020


Naquele domingo, por uma ou duas horinhas que a chuva deu uma trégua, soltei as galinhas para que passeassem um pouco pela grama do jardim, aproveitando um solzinho que passava apertado entre as nuvens. Solto sempre que posso, porque é o ponto alto do dia delas, e toda vez que abro a porta do galinheiro elas correm pra fora animadas, dando saltos, voando baixinho e cantando de felicidade.

No final daquele dia voltou a chover, eu continuei minhas coisas dentro de casa e só quando já estava na cama percebi que não tinha fechado a porta do galinheiro. Certamente as galinhas já estariam todas acomodadas dormindo - elas sabem voltar para a "cama", assim como todos nós - mas é importante fechar a porta para protegê-las de gambás e teiús, dois animais silvestres de hábitos noturnos que ainda temos na região e são loucos por ovos de qualquer tipo.

Caminhei até o galinheiro debaixo de uma chuva fina, e antes de entrar encontrei uma bolota cinza ensopada, bem escostadinho no degrau de entrada. Era Pípalo, nosso galinho tamanho P, que não conseguiu entrar e se acocorou onde pôde, meio abrigado sob a porta aberta, todo molhado e encolhidinho de frio.

Peguei-o no colo, senti seu corpinho encharcado e escolhi um lugar para acomodá-lo no poleiro, entre as galinhas de tamanho maior, para que aproveitasse o calorzinho delas. Voltei para o quarto com o coração apertado, pensando que ele já está vivendo os problemas da idade avançada e preocupada em como um galo velhinho acordaria no dia seguinte, depois de dormir algumas horas na chuva e passar o resto da noite todo molhado.

Para minha sorte, meu coração mole encontrou outro coração mole como companheiro, e depois de conversarmos sobre Pípalo passar a noite molhado concluímos que esse é o tipo de situação que gera arrependimento no dia seguinte. Se ele morresse, nós nos sentiríamos culpados.

Toca levantar, botar sapatos, ligar as lanternas e partir para o resgate de nosso galinho P, que tremia de frio mesmo amparado por penosas bem maiores que ele. E o relógio da parede marcou 11 da noite do nosso domingo "tranquilo" de quarentena quando nos sentamos no escritório para secar um galo com secador de cabelos.


Com uma manta velha no colo, Flop deu show de carinho secando Pípalo em pontos-chave, como debaixo das asas, nuca e cabeça. Conforme o topete molhado e despencado voltava a ficar arrepiado, o galinho ganhava um pouco mais de dignidade e fazia pequenos movimentos, se recompondo.

Ficamos ali uns bons trinta minutos, até termos certeza de que todas as penas estavam praticamente secas e de que ele conseguiria passar a noite com um pouco de conforto. Montamos um ninho com panos de cachorro e improvisamos um cobertor com um trapo limpinho, algo leve de que ele poderia se livrar se estranhasse muito.


Dormimos com a sensação de ter feito com capricho a nossa parte, e no dia seguinte tínhamos um galinho recomposto. Não estava 100%, era verdade, afinal, cada dia (e cada noite fria) que passa pesa um pouco mais na conta de quem já está velhinho. Mas que diferença fizeram o calor de um colo, de um secador de cabelo e de uns panos de cachorro na vida de um galo!

quinta-feira, 2 de abril de 2020


A primeira coisa em que pensei quando acordei foi que aquele seria nosso primeiro dia realmente em isolamento. Era o segundo domingo de quarentena e estava chovendo lá fora. Não daria pra trabalhar na horta, pintar as paredes da obra recém acabada, cortar a grama nem reformar os vasos da varanda, coisas que temos feito em época de isolamento social.

Só que em sítio, ao contrário do que muita gente pensa, a vida não é tão tranquila quanto parece. Principalmente quando você tem - e faz questão de manter - muitas vidas dentro dele.
Ainda não tinha terminado a manhã quando o funcionário que mora aqui conosco veio avisar que tinha um tatu nadando dentro do lago, sem conseguir sair.

Nosso lago na verdade é um tanque artificial, um reservatório de água da chuva. Um grande e fundo retângulo cavado na terra e forrado com plástico. Duas camadas de tela grossa (imagine um mosquiteiro reforçado) protegem o plástico de furos feitos pelos cachorros, que sempre entram pra nadar. E de tatus também, que eventualmente vão parar lá dentro.

Flop tem um sentimento especial por tatus. Ele diz que são bichos amistosos e ingênuos, sem maldade, e que não fazem mal a ninguém. Já aconteceu de um deles acompanhá-lo, lado a lado, numa caminhada aqui pelo sítio, em direção à matinha que protege nosso brejo. E foi por esse sentimento de amizade que, assim que soube da notícia, ele deu um pulo do sofá e foi logo vestir a sunga.

Já temos alguma prática com o protocolo: quando o nível da água está baixo e não da pra fazer o resgate pelas bordas, é preciso entrar no lago, pegar o tatu, colocá-lo numa caixa, içar a caixa pra então transportar o bicho e soltá-lo num lugar melhor. Desta vez ainda houve um detalhe a mais: o tatu, com suas super unhas de cavar, furou a primeira tela e entrou por baixo dela, ficando ainda mais preso. Mas com calma e experiência nosso Tarzan particular deu conta do resgate (com o apoio de sua Jane, que trabalhou na retaguarda!), e em poucos minutos o tatu descansava aliviado, todo molhado, dentro de um engradado. Um pouco mais tarde foi solto na matinha do brejo, nossa área isolada e protegida, que recebe os animais silvestres que aparecem aqui em volta de casa.

Ótimo. Tudo tranquilo e calmo, todos vivos e salvos, e então pudemos voltar ao nosso domingo de quarentena.
Só que, sempre que levanto essa "lebre" do sossego, a vida me responde levantando de volta uma plaquinha que diz "Tsic, tsic, tsic. Tem mais. Você está sendo requisitada para..." E então no fim do dia, bem na hora de dormir, já na cama, me lembrei que não havia fechado a porta do galinheiro, para a segurança das galinhas durante a noite.

Toca levantar, ligar a lanterna, sair de pijama mesmo e caminhar sob as estrelas com as três cadelas acompanhando, pra encontrar, bem na entrada do galinheiro...
Amanhã eu conto! :)




terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Carnaval no jardim

Flores, Arthur (que nem veio pra almoçar mas não resistiu, Marcos e Neide)

No domingo, repetindo pela terceira vez o que eu já chamo de tradição desde a segunda, nos encontramos Neide, Marcos, Flores e eu para ao menos um dia juntos durante o carnaval. Nos anos anteriores fomos ao sítio deles carregados de plantas para enriquecer a diversidade por lá - plantas são o nosso assunto. Desta vez eles vieram a Holambra, no nosso sítio, carregados de comidinhas, folhas e flores secas para chá, frutinhas para sobremesa, maracujá para semear… comidas são o assunto deles.

Não houve muito planejamento, mas eu e Neide trocamos por celular algumas mensagens sobre fazer macarrão caseiro colorido. Minha irmã Mari, a Mariana Valentini da Brodo Rosticceria, fez lindas gravatinhas coloridas para o carnaval que eu só vi pelo Instagram mas que me inspiraram bastante. Comer é uma delícia, e comer comida bonita é melhor ainda. Em boa companhia então…

Pois ficou combinado que almoçaríamos massa. A Neide, sempre muito prática e animada, ofereceu de trazer a máquina e flores azuis de Clitoria ternatea para testarmos a cor na comida. Eu botei na roda a primeira moranga colhida este ano no jardim e beterrabas, assim teríamos três cores no prato.


Só que das caixas vindas da cozinha do blog Come-se saíram muito mais do que ingredientes para chás e macarronada. Veio uma tigelona de coxas de frango para os que comem carne, uma boa fatia de melancia, um punhado de siriguelas, maracujás de duas espécies para sucos e mudas, uma metade de limão siciliano que só hoje encontrei esquecida na geladeira… É interessante como para quem trabalha com comida é tudo muito simples. Rapidinho junta-se uma coisa com outra com outra e com outra e vai a assadeira cheia para o forno. O processador de alimentos (que também veio na mala) em um instante transforma tomate fresco com melancia e temperos em um delicioso gazpacho pra comer como entrada. E enquanto eu fico pensando se é melhor juntar dois disso com três daquilo ou ao contrário, a Neide já bateu a massa de abóbora e eu nem vi como ela fez.

O gazpacho ficou delicioso. Acho que
quero ter um processador de alimentos...

Uns minutos depois já estavam prontas três bolas de massa: a azul clarinha, colorida com flores de Clitoria ternatea; a amarela, feita com abóbora moranga e uma roxinha linda, de beterraba. O próximo passo era instalar a máquina numa superfície grande pra trabalhar, e a despeito das moscas e dos cachorros de plantão, Neide escolheu montar a traquitana toda lá fora, na grama, sob a sombra da Teca.

No melhor estilo gambiarra, com cadeiras viradas sobre a mesa e um pedaço grande de cano de pvc, foi montado um varal para secar os fettuccines, e num minuto em que deixei a cozinha para ir ao banheiro ouvi risadas e fui chamada às pressas. Corre, vem fotografar! Não sei muito bem como aconteceu, mas em questão de segundos a primeira leva de massa de abóbora escorregou do varal de cano e foi parar na grama, e em mais um piscar de olhos os três cachorros devoraram aquilo tudo.


Depois das melhorias no varal para evitar futuras perdas vieram lindos fettuccines azuis e roxos combinando com a camiseta da cozinheira, e comemos nossa macarronada com molhinhos de manteiga e sálvia e de tomate, junto com as coxas de frango e fatias de abóbora assadas com temperinhos da horta. Isso é que é almoço de domingo!



Marcos, o companheiro que acompanha,
espantava moscas e ajudava na produção da massa





Hoje acordei pensando em contrastes.
A massa foi a Neide que fez e o molho fui eu, com tomates pelados de lata mas quase sem processamento industrial. A manteiga era de pacote mas a sálvia é produção da casa. Os corantes da comida eram totalmente naturais: beterraba, abóbora do quintal e flores da horta da Neide. Comemos na mesa sobre a grama, debaixo de uma árvore bonita, com moscas e cachorros por perto, sem muitos problemas.

Agora pense em alguém que more num apartamento. Pode ser você, pode ser eu, que já fui muito urbana. Essa pessoa acorda lá no alto, décimo segundo, vigésimo quinto andar. Olha pela janela só pra saber se faz sol ou se chove e se enfia rápido numa roupa, café solúvel numa mão, bolacha de pacote na outra. Pega o elevador com o vizinho que nem responde o bom dia e aperta o G3, a garagem mais do alto. Entra no carro, afivela o cinto e logo se entala no trânsito; cinquenta minutos pra chegar ao trabalho. O prédio de escritórios fico no topo de um shopping, daqueles com muitos níveis de garagem. De novo o G3. Estacionamento cheio, vaga apertada, elevador lotado, a mesa tomada de pilhas de papel e um monte de e-mails para responder. Na hora do almoço a praça de alimentação salva: um salgado frito com refrigerante diet, porque não vai dar tempo de almoçar direito. De tarde telefone, computador, reunião no ar condicionado, cafezinho da máquina no copinho plástico, mais computador, mais telefone… Acaba o expediente e o dia termina como começou, só que ao contrário: mesa ainda tomada de papéis e os e-mails a responder, elevador lotado, vaga do carro apertada, fila pra passar pela cancela do estacionamento, uma hora e vinte no trânsito até chegar em casa, G3, elevador com os vizinhos… e chega o momento relax: um banho quente (mas rápido por causa do rodízio de água), pijaminha de malha feito de fio de garrafa PET (sustentável) e um jantarzinho leve (salada hidropônica com nuggets de vegetais e um chá gelado, daqueles de misturar o pozinho na água. Sabor pêssego).

Essa pessoa (eu, você, alguém da sua família) não colocou o pé na Terra! Não digo descalço, na terra terra, aquela que tem minhocas, falo do planeta Terra! O dia inteiro se passou no alto, em andares de cimento. Os deslocamentos foram dentro do carro, as garagens eram elevadas, o almoço foi na praça de alimentação do shopping... Essa criatura não pisou numa calçada que seja, muito menos em um só metro quadrado de grama. Capaz que não tenha reparado no céu, não escutou um pio de pomba e nem comida de verdade comeu. Nem bebida de verdade bebeu! E pelo que me consta não inventei nenhum absurdo, nada que eu, você e seus conhecidos não tenhamos feito muitas e muitas vezes em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte…

Antes que você me chame de Pollyanna, deixe-me dizer que não acho que tenhamos todos que nos mudar para ecovilas, plantar nossa própria comida, costurar nossas próprias roupas, vender nossos carros… Adoro dirigir, uso computador todos os dias, tenho pilhas e pilhas de papel sobre a mesa e dezenas de e-mails a responder, mas tenho tentado andar pelo caminho do meio. Planto horta (quando morava em São Paulo plantava em vasos), sento na grama com os cachorros no colo, como comida de verdade feita por mim em oitenta por cento das refeições, boto um tênis e vou correr na rua e tento, diariamente, melhorar minhas escolhas. Já morei em diversos lugares diferentes, já trabalhei com coisas saudáveis e com insalubres também, e a cada dia que passa acho mais importante e prazeroso o contato diário com a Terra. E mais: não conheço ninguém que tenha feito o caminho contrário sem ao menos cultivar um plano de, no futuro, voltar às raízes.

É um caminho sem volta. Quanto mais a gente planta, mais quer plantar. Quanto mais pensa na comida, mais se dedica a fazê-la saudável. Quanto mais põe a mão na terra, senta na grama e corre na rua, mais sente falta disso tudo quando por algum motivo não pode fazer. E tem mais uma coisa bem interessante: a gente começa a se relacionar com pessoas que fazem o mesmo, que pensam igual, que andam pela mesma trilha sem querer voltar pra trás. É o caso da minha amizade com a Neide. Quando eu morava em São Paulo, trabalhava muito perto da casa dela e era um pouco aquela pessoa que não tinha tanto contato com a Terra, a gente não se conhecia. Agora que ficamos amigas, pergunta se eu quero passar um Carnaval sem ela???

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Generosidade


O mundo para quando ele vem aqui, e eu largo tudo o que estiver fazendo só pra ouvi-lo falar. Ele sabe tudo de plantas e tem no viveiro nada mais nada menos do que 1.200 espécies delas (aposto que tem mais; sempre tem umas que ficam esquecidas na hora do levantamento). O que não tem no sítio no momento ele diz quando vai ter ou conhece quem tem. Ou melhor ainda: diz que no trevo da cidade tal, do lado esquerdo de que vem de X e vai para Y tem um pé daquilo, que no ano passado não deu flor mais que nesse já está dando, e daqui a tanto tempo vai ter semente, e que o momento certo de colher é...

Já viajou o país inteiro diversas vezes garimpando espécies e cita montes de lugares interessantes que abrigam o que há de mais bonito e curioso no reino vegetal. Diz que hoje não tem mais aquele pique de antigamente, quando percorria mais de mil quilômetros num único dia visitando produtores e propriedades, então agora só encara 4 ou 5 horas no volante de cada vez. Só que falta tempo. Precisaria ter alguém para deixar no viveiro no lugar dele enquanto ganha mais mundo. Para isso tem ensinado Gustavo, o filho, que é daqueles casos que dispensam exame de DNA. Olhando um ao lado do outro você entende o real significado do termo herança genética.

O nome dele? Edilson Giacon, do viveiro Ciprest.

Não bastasse tudo o que essa criatura conhece, digo com toda segurança que é uma das pessoas mais simpáticas e generosas que conheço. Pra começar ele fala sorrindo, o que faz qualquer conversa ficar mais especial. E sorrindo ele vai contando casos, falando nomes, descrevendo formatos de folhas, flores, frutos e ensinando coisas que eu não sei. Como o que mais tem é coisas que eu não sei, ele passa horas respondendo (numa boa!) as minhas perguntas. Com a maior generosidade me ajuda a identificar o que estamos cultivando sem saber o que é, sugere alterações, melhorias e ainda pede preços e reserva lotes. 

Estamos muito próximos um do outro - coisa de meia hora de estrada - e ele às vezes compra plantas aqui, o que me deixa muito lisonjeada. Nada mal poder fornecer algo para quem é referência nacional por ter de tudo. Mas ele está sempre atrás de mais: invariavelmente chega com novidades de uma planta nova que conseguiu que alguém mandasse de outro continente e que já está multiplicada, enraizada e crescendo no viveiro. Assim, garimpando sem fronteiras, ele hoje tem variedades especiais como a orquídea que produz a verdadeira baunilha em fava, a Amapá - árvore que dá leite tão nutritivo quanto o leite materno, as diferentes espatódias branca e amarela, o cipó-alho, diversas frutíferas que você e eu nunca ouvimos falar, muitas variedades de manga e laranja, sem falar dos perfumadíssimos limões yuzu, cafir e agora também um  novo que me trouxe de presente: o limão-caviar, ou "caviar vegetal".

Folhagem fininha do limão caviar

A folhagem é uma graça, e mais bonito ainda parece que é o interior do fruto, que ao invés dos gominhos em formato de gota, como todos os cítricos, tem o sumo embalado em bolinhas verdes, amarelas ou alaranjadas, dependendo da planta.

Fico sempre tentando retribuir tudo o que ele me ensina e me dá de presente, por isso, na visita da semana passada convidei-o a passear pelo jardim para ver como estão seus filhos - muito do que tenho de bonito veio da casa dele. O Combretum amarelo floresceu esse ano pela primeira vez e encheu nossa antena de ferro de delicadas escovas de cerdas macias. O eucalipto arco-íris ainda não coloriu mas cresce bonito, já está mais alto do que eu. A Hamelia patens dá flores e frutos o ano inteiro, e por causa dela sempre assistimos briga de beija-flores, que disputam a planta a bicadas. A paineira branca também floresceu pela primeira vez recentemente e foi o ponto alto do jardim por mais de um mês, com suas grandes flores de miolo cor de vinho. A fruta do milagre produziu bastante no primeiro semestre e agora com a chegada da primavera se animou a crescer ainda mais, já preparando botões para uma nova florada.

Combretum fruticosum florido no início do inverno

Flores da Hamelia patens,
super disputadas por beija-flores

Frutos da Hamelia patens,
super disputados por passarinhos vários

Flor da paineira branca
Ceiba glaziovii

Depois de três horas aprendendo, aprendendo e aprendendo ainda ganhei de presente uma poda no arbusto Alegria-dos-pássaros (Elaegnus umbellata), que também veio do Ciprest mas nunca fez a alegria dos voadores daqui. Já são dois anos tentando de tudo para que ele floresça e frutifique mas ainda nada. Acho que dei azar, porque quem tem a planta diz que ela produz fácil e realmente é um sucesso com a bicharada do jardim. Edilson conta que quando conheceu a espécie, anos atrás, teve a impressão de que macacos pulavam entre os galhos, de tanto que o arbusto chacoalhava. Chegando mais perto percebeu que eram pássaros, mais de uma centena deles num mesmo pé. Fez estacas, passou a produzir a espécie e batizou-a com esse nome mais adequado e sugestivo, para substituir Acerola-japonesa, que era como a chamavam. Parece que pegou, porque é assim que atualmente ele é conhecida, inclusive nos livros.


Quando Edilson foi embora fui curtir os presentes, repassar as anotações e, como sempre, fiquei me sentindo eternamente em débito pelo pacotão de coisas interessantes que sempre fica aqui comigo depois que ele sai pelo portão.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

As vacas e as banheiras


Aqui bem perto do sítio tem um lugar por onde passo quando vou buscar retalhos de ferro de construção na d. Neila. É uma estradinha de terra que sai da estrada de asfalto do sítio onde moro e não é usada como passagem para lugar nenhum, apenas acesso aos sítios vizinhos. É uma área ainda mais rural do que a minha, porque além da terra na estrada tem vacas, e nada mais rural do que vacas, você há de concordar comigo.

Já passei por aí diversas vezes, estou cansada de conhecer a paisagem, mas acho que em nenhuma das passagens deixei de parar o carro pra dar uma olhada com calma, uma curtida. Aquele ar bucólico, as vacas, as banheiras... Sim, banheiras!



O sitio é de uma família holandesa de produtores de leite, e é óbvio que as vacas são holandesas. Até aí, interessante, bonito de ver, mas sem novidades. O legal mesmo são as banheiras. Dezenas e dezenas de banheiras antigas enfileiradas, uma ao ladinho da outra, servindo de coxo às vacas. Dependendo do horário em que passo as vacas estão comendo ou os coxos estão vazios e as vacas preguiçando no sol ou na sombra - sempre todas juntas. E é nesse momento que a cena fica inusitada. Uma fila de banheiras vazias ao sol, sobre a terra, e um monte de vacas deitadas ao lado.


Eu SEMPRE paro o carro. As vacas me olham, eu olho as vacas… elas devem pensar qual é o problema? Essa moça nunca viu vacas ou nunca viu banheiras?
Depois de alguns minutos eu sigo. Sorrindo. Adoro essas cenas! 

Mais pra frente é menos inusitado mas também é bonito. Até outro dia tinha plantação de sorgo, que agora já está colhido 


e tem um campo permanente de roseiras, já de redinhas nos botões pra que as flores cheguem bonitas na floricultura.


E ontem passei por algo diferente: uma capivara seca e achatada. Não sei como isso foi acontecer, só sei que ela estava lá, no meio da estrada, plana como uma folha de papel.


Depois disso está o terreno da d. Neila. Logo conto sobre ela e seu trabalho árduo com entulho e lixo reciclável. 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Cegonha


Ninguém sabe a hora exata, mas no último domingo, 21 de setembro - o dia da árvore! - chegaram no bico da cegonha os bebês sabiá que a gente tanto esperava. Mudamos os hábitos de entrada e saída aqui de casa por causa deles; uma porta foi interditada, uma cortina foi improvisada e até silêncio a gente faz pra não assustar essa familiazinha.

As cascas dos ovos sumiram (mamãe gosta da casa limpinha) e no lugar deles agora crescem essas duas criaturinhas magrelas e ossudas, de penacho nas costas e grandes olhos pretos saltados e ainda fechados.

Ontem eu e D. Sabioca fizemos um trato: todos os dias às 8:30 da manhã ela dá uma saidinha pra esticar as asas e eu rapidinho faço fotos pra registrar o desenvolvimento das crianças. Aí em cima vai a imagem das primeiras 24 horas vencidas, e quando tiver um álbum bem recheado volto para mostrar e deixo todo mundo folhear.

Veja aqui o começo dessa história.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Razão e sensibilidade

Quatro metros de pura energia produtiva

Adoro quando conheço gente do campo, da roça mesmo, de verdade, aquelas pessoas que passaram a vida cultivando de tudo e têm uma rara sensibilidade em relação à natureza e todos os seus assuntos.
Hoje veio aqui no sítio um senhor assim. Baixinho, já foi saindo do carro sem nem perguntar se os cachorros são bravos - todo mundo pergunta. Quando questionei se não tinha medo ele me disse que se fossem bravos eu não os teria deixado soltos quando o convidei a entrar. Alem disso, "dá pra ver na cara deles que são tranquilos".

Tranquilidade tinha ele, paranaense nascido em 1940, com uns olhinhos vivos já olhando em volta, pesquisando as árvores do meu quintal. Seu Teresiano. Veio de Limeira até aqui especialmente para me trazer os saquinhos plásticos que encomendei para plantar mudas. Não nos conhecíamos ainda, foi meu primeiro pedido depois da indicação do amigo Edilson Giacon.

Descarregamos a mercadoria, chamei-o a ver o viveiro, as mudas, e no caminho fomos conversando. Contei que a produção de árvores nativas tem só três anos apesar do sítio ser um dos primeiros da Holambra, que foi de um dos fundadores da cidade etc, e ele me perguntou: como vocês estão de água? Falei do único poço que nos abastece, que a água baixou quase 50% em comparação com períodos de chuva, que estamos racionando… Água é a preocupação de todo mundo no momento. Nossa e dele também.

E num certo momento ele parou em frente à minha amoreira: você rega sempre essa árvore? Na verdade nunca, seu Teresiano. Pra não mentir, coloquei bastante água nela no último domingo, já que está carregada e não quero perder as frutas. Por que?

Ele me chamou a atenção para como ela está bonita, com um verde vivo, exuberante, além da enorme quantidade de frutos amadurecendo. "Nessa seca, se ninguém rega, isso é sinal de que tem umidade aí embaixo. Eu tenho uma dessa que esse ano não produziu nada."

Sábio homem. Sem saber ele acabava de me dar uma dica de algo que estamos procurando já há tempos: temos um vazamento de água em algum lugar de um cano que sai da caixa d'água e passa por uma grande área, abastecendo as torneiras do jardim ao redor da casa. Já escavamos inúmeros buracos pelo quintal e o cano sempre aparece intacto, ou seja, nada de achar o vazamento. A amoreira está a cerca de 1,5 metros do caminho do cano; pode estar bebendo dele. Ainda não é uma árvore grande nem tem raízes agressivas, portanto não é responsável pela ruptura. Muito pelo contrário: é uma muda nova, tem apenas 3 anos e vem crescendo muito rápido. Ao que parece tem irrigação particular.

Que diferença faz um olhar atento que interpreta e deduz! A gente estuda, pesquisa, assunta por aí, mas sem observação, sensibilidade e experiência nunca seremos completos.

Algumas já roxas, muitas vermelhas e outras ainda verdes



Enormes e deliciosas

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Interditado. Favor usar a outra porta


Interdita-se rua no dia da feira, pra passagem do bloco de carnaval, remendo no asfalto, poda de árvore, reparos na fiação elétrica, troca de lâmpada do poste, quando o piano vai subir pela janela, o viaduto vai ser demolido, quando vai ter show, desfile cívico, corrida de rua, passeata, quando houve acidente de carro, quando vai passar autoridade…

Evento importante é mais do que justificativa e não tem discussão. Portanto, já que Sabioca escolheu meu vaso de samambaia pluma pra produção da filharada da primavera, foi interditada a porta sul desta residência.

Desde segunda-feira dia 8 de setembro a entrada é só dela, já que não conseguiu conviver conosco cruzando pra lá e pra cá pela porta. Durante a confecção do ninho passávamos de fininho, tentando mostrar a ela que suas instalações eram muito bem vindas assim tão próximo das nossas, mas não teve jeito. A moça se estressava e abandonava a obra cada vez que um de nós punha a mão na maçaneta. A escolha do local deve ter sido feita num final de semana, quando quase ninguém entrou nem saiu, mas bastou amanhecer o primeiro dia útil da semana pro ambiente se mostrar menos sossegado do que ela imaginava.

Mas tudo bem, por sorte dela temos outras duas opções de passagem e somos verdadeiros entusiastas da convivência pacífica e harmoniosa entre todos os seres, então passou-se a chave na fechadura e pronto. Só que mãe em período de "gestação"... sabe como é. Mesmo nosso trânsito dentro de casa a assustava, então foi necessária mais uma providência:


Um quadrado de tecido foi pendurado fazendo as vezes de cortina e separando a vida dela da nossa. Uma pena. Agora tenho monitorado à distância os acontecimentos do ninho, e vez ou outra vejo pelo quintal que ela saiu pra se alimentar, então subo num banquinho e espio lá dentro. Por enquanto, só ovos. Dizem os entendidos que são 13 os dias de choca. A conferir, no 20 de setembro.


sábado, 13 de setembro de 2014

O prazer dos resultados

Laeliocathleia paulistana vivendo no interior

Lembro de momentos aqui no sitio em que quase todos os dias eu olhava para os lados e imaginava coisas diferentes do que via. Queria tirar o mato dali e plantar umas flores, mudar esse vaso daqui e colocar a planta direto na terra, dar uma limpada na galharada acumulada no chão e replantar a grama, escolher um bom lugar para os meus vasos de ervas…

Vim morar num lugar por onde já passou muita gente, e cada um cuidou da casa e do jardim a seu gosto, claro. Há coisas lindas que ficaram - grandes árvores que produzem nozes, frutas e flores, a própria casa, a matinha -  e outras que desde o início eu queria mudar, ou construir, ou melhorar. Um dia, conversando com um dos vizinhos, ouvi que sítio é assim, tem sempre o que fazer.

Muitas vezes isso me desanimou, porque se a manutenção já é trabalho permanente, o que dizer de quando você acaba de chegar e, além de ter que tomar pé de tudo, ainda tem vontade de fazer o lugar ter mais a sua cara?

Mas aí o tempo foi passando, fui fazendo um pouco de cada vez (ou muito, tudo ao mesmo tempo!), e o ambiente foi mudando. O pezinho de amora que plantei quando cheguei de repente virou uma árvore mais alta que eu; a samambaia gostou do lugar novo e começou a brotar; as orquídeas grudaram nas árvores e já dão flores; os ipês e a jabuticabeira florescem pela terceira vez desde que estou morando aqui, os vasos de ervas e hortaliças estão lindos...

Lógico que ainda falta muito o que fazer - muito mesmo - mas o prazer de andar por aqui e ver pequenos e grandes resultados é indescritível. Nessa hora a gente sente que valeu a pena ter encarado o desafio e aprende que é preciso ter muita paciência. Nada se transforma do dia para a noite e nem teria graça se fosse assim.

Sempre fui imediatista, queria tudo pronto agora, rápido e de preferência fácil. Participaria numa boa de vários daqueles programas de transformação que a gente vê na televisão: você sai de casa e quando volta sua salinha modesta virou um ambiente de revista descolada. Seu jardim, tomado de mato, se transformou num mini jardim botânico particular com laguinho, herbário, orquidário, chaise longue pra ler o jornal de domingo...

Só que na vida real tudo tem seu ritmo, inclusive eu, que hoje percebo que preciso de um tempo olhando um lugar, um ambiente, uma parede ou uma planta para saber o que fazer com aquilo. Capaz que exista gente que decide rápido, mas eu preciso amadurecer as ideias e "ouvir" o que o lugar ou a coisa tem a me dizer. Aprendi que quando respeito esse tempo o resultado me deixa feliz porque veio realmente de mim. É a minha cara, a minha assinatura, e tem a ver com o resto de tudo o que tenho. De outra forma seria um copia e cola de referências, bonitas talvez, mas com assinaturas estrangeiras.

Também percebi que coisinhas que ganhei de amigos queridos e visitas que ficaram por um dia ou por muitas semanas, hoje formam um quebra-cabeças super interessante de memórias que não poderia ter sido montado de outro jeito. O mesmo acontece com objetos que fui juntando ao longo do tempo. O açucareiro de barro com florzinhas da Neide, as micro orquídeas da Carol, as cerâmicas da Cynthia, as pedrinhas que trouxe do Chile, a ferradura que encontrei enterrada na horta… Tudo isso faz parte da história da minha vida e da minha casa.

Continuo com mil planos, inclusive de melhorar o que fiz e não deu muito certo, mas já colho como resultado presentinhos vindos de todos os lados e estou feliz.

Ipê branco florido,
com cara de cerejeira do Japão,
com cara de flocos de neve.

Amora gigante. Plantei um pezinho de 50 cm, em três anos chegou a 4 metros.

Mini phalaenopsis, presente da Carol

Dendrobium fimbriatum var. oculatum 

Jabuticabeira de meio século que dá espetáculo todos os anos

Tomates em vaso, muito fáceis de cultivar