terça-feira, 4 de junho de 2013

A visita da jiboia Anaconda


Não que aqui seja muito meio do mato. Na verdade estamos em área até bastante urbanizada, a apenas 3 km do centro da cidade e com pista de asfalto no portão (nem é porteira). Mas como as propriedades do entorno são todas de produção rural, a paisagem ora é milho, ora é soja. Às vezes feno ou trigo, também. E a fauna silvestre que mora por aqui é a que ainda consegue conviver com essas culturas e se alimenta direta ou indiretamente delas. Dos bichos que andam no chão tem siriema, saracura, teiú, cobra...

Era um sábado, e nós estávamos nos preparando pra receber um grupo de ingleses que vinha conhecer a produção de árvores nativas. Aproveitamos a sombra da enorme lichia e arrumamos uma bonita mesa de lanche com sucos coloridos, biscoitinhos de coco, bolo de fubá e arranjo de flores, tudo bem caprichado. Já era quase hora do ônibus chegar com os turistas quando um vizinho parou na pista aqui em frente, ergueu a cabeça por cima da cerca viva e gritou pessoal, vocês vão receber visita!

A primeira coisa que passou pela cabeça foi que em cidade pequena todo mundo sabe tudo, mesmo. Mas e daí que a gente vai receber visita? Isso lá é motivo pra vizinho assuntar por cima da cerca alta, gritando da rua?

Só que ele insistiu e gritou de novo: pessoal, visita!

É que ela vinha chegando. Um pouco menos comprida que um ônibus de turistas, mas serpenteava pelo chão atravessando o asfalto, decidida a entrar aqui. O vizinho vinha passando de carro, reduziu pra não passar por cima dela e sabiamente parou para protegê-la de outros carros e avisar os anfitriões, porque afinal de contas é sempre bom saber que se tem uma hóspede de um metro e meio de comprimento em casa, principalmente em dia de lanchinho para turistas europeus.


Nessa hora bateu um nervoso. Não exatamente pela jiboia, linda, brilhante, o centro do corpo grosso como um abacate, mas porque tudo sempre acontece ao mesmo tempo. E aí, o que fazer?

Mas de novata aqui só tem eu. Flop já passou por isso umas quatro ou cinco vezes nos últimos 30 anos e logo cantou a jogada: você fica aqui vigiando onde ela vai que eu vou buscar um saco e um balde. A gente coloca ela no saco, o saco no balde, tampa, e quando os ingleses forem embora soltamos ela numa matinha perto daqui.

Passei uns minutos ali, olhando aquele bicho bonito andar jardim a dentro. Não deu medo, não. Ela é muito calma, passeia como se a vida fosse só aquilo mesmo: a grama, o sol quentinho, um jardim bonito, uma mesa de lanche...

Veio um saco grande (de farinha da marca Anaconda), um balde de 200 litros, uma pá e uma chapa de metal. Devo dizer que duvidei que ela entraria no saco. A troco de quê? Mas quando a cobra se vê com duas criaturas em volta olhando pra ela, uma chapa de metal de um lado, uma pá do outro e um saco aberto na frente, tipo caverna, acho que pensa que talvez seja melhor se esconder.

Ela colocou a linguinha pra fora, sentindo o cheiro da caverna, e foi entrando. Simples assim.




Foi até o fundo, se enrolou lá dentro com requintes de flexibilidade e relaxou.

Depois de quinze minutos chegaram os ingleses, que conheceram o viveiro, passaram (sem saber) diversas vezes ao lado da cobra ensacada dentro do balde, tomaram lanchinho, bateram muito papo e foram embora elogiando o sítio e nossa simpatia e hospitalidade. Talvez consigam desfazer, mundo a fora, as velhas histórias de que no Brasil a gente é selvagem, anda de canoa, tem cobras em casa...

O dia terminou numa mata junto a um pequeno rio, com a cerimônia de soltura da jiboia batizada de Anaconda. De início ela nem quis sair, mas depois de uns minutos e de uma chacoalhadinha no saco de farinha, pôs a cabeça pra fora, cheirou outra vez com a língua e percebeu a mata. Daí foi.




Logo nos primeiros metros de vegetação densa virou à esquerda e encontrou uma árvore. Depois de um dia diferente, de asfalto, grama, saco de farinha, balde e viagem de carro, Anaconda achou que seria bonito ver o pôr do sol do alto. E subiu.



8 comentários:

  1. Que história legal! E que vida interessante vc leva, Juliana! Adorei ler.
    Bjs,
    Joana

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  2. Olá passando pra dar uma olhadinha e convida-la pra conhecer meu cantinho,depois de 1 ano sem blogar por motivos maiores e nosso vilão face...Venha me visitar com sua visita ficarei mais emotivada a voltar a blogar beijinhos e ótima semana.
    http://mariazinhaejuquinhaartesanatos.blogspot.com.br/

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  3. Jesuis do céu, vc é muito corajosa. Eu gosto de natureza mas na minha natureza não tem cobra. Se essa bicha enveredasse para minha casa eu tava na carreira até agora. É linda, mas não quero ver ao vivo, mas é bom saber que tem quem preserve e proteja. Bj e Deus te abençoe.
    Jona

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  4. Jura que não sentiu um friozinho na barriga?!!
    Pelos seu posts da vida em Holambra, fico com vontade de conhecer a cidade. Aquele da gincana,do carnaval, do borboletário,adorei!

    E as borboletas, alguma novidade?

    bj

    neusa

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  5. Li esta história deveras interessante logo hoje, Dia Mundial do Meio Ambiente. Fiquei feliz, porque a maioria olha, vê a cobra e trata de arranjar um jeito de matá-la, como se fosse bicho do mal. Acho que é ranço de religião...
    A Anaconda pode até voltar, tão bem tratada que foi... E como não é bicho peçonhento, não há o que temer.
    Gostei da história. E da atitude de vocês. Somos todos criação do mesmo Pai, entrelaçados pela vida e necessitados de compaixão, cada um por sua vez. Um abraço para vocês, que sempre respeitam nossos irmãozinhos. Angela
    http://noticiasdacozinha.blogspot.com

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  6. Joana, Mara Silva e Joana,
    obrigada pela visita!

    Neusa, você vai adorar Holambra, venha conhecer! E sim, já tenho novidades do borboletário, veja no post de hoje, 18 de junho de 2013.

    Angela,
    as cobras ficam calmas na nossa presença. A gente e que se desespera! Mas muitas vezes nem tem porque, elas não atacam gratuitamente.

    Um abraço,
    Juliana.

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  7. Vi o link de seu blog adesivado no vidro de um carro hoje. Acessei e gostei!

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  8. O texto e as fotos conseguiram me passar com precisão a calmaria dessa jibóia. Terminei de ler me sentindo até um tantinho mais serena, hehe. E emocionada com a simplicidade da vida. :)

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