quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O caso estranho de Percy Schmeiser

Feijões espírito-santo orgânicos que ganhei da Neide, que por sua vez ganhou da Laura, do Sítio Gralha Azul





Ainda na onda do Slow Food e no tema "somos responsáveis pelo que acontece à nossa volta", transcrevo abaixo um trecho do livro O mundo é o que você come, da americana Barbara Kingsolver. É a inacreditável história do que pode acontecer quando falta bom senso e preocupação com o interesse coletivo na cabeça do ser humano, e de como pessoas (e nações) conscienciosas podem reverter absurdos trabalhando unidas.

O caso estranho de Percy Schmeiser

Em 1999, um pacato fazendeiro de meia-idade, de Bruno, Saskatchewan, foi processado pelo maior produtor de sementes biotecnológicas do mundo. A Monsanto Inc. alegou que Percy Schmeiser causara-lhe danos no valor de 145 mil dólares, por ter genes patenteados por ela em algumas das plantas de canola em seus quinhentos hectares. Não se alegava que Percy havia efetivamente plantado as sementes, ou mesmo que ele as tivesse obtido ilegalmente. O argumento da Monsanto era simplesmente que as plantas na terra de Percy continham genes pertencentes a ela. O gene, patenteado no Canadá no começo da década de 1990, dá às plantas de canola geneticamente modificadas (GM) a força para resistir à pulverização com herbicidas glyphosate, tais como o Roundup, comercializados pela Monsanto.

A canola, uma variedade cultivada da semente de colza, é uma das três mil espécies da família das mostardas. O pólen da mostarda é transferido por insetos, ou pelo vento, por uma distância inferior a um quilômetro. Será que o gene patenteado viaja junto com o pólen? Sim. Será que as sementes são viáveis? Sim, e têm uma vida útil de até dez anos. Se sementes de anos anteriores permanecerem no solo, é ilegal colhê-las. Ademais, se qualquer uma das sementes em um campo contiver genes patenteados, é ilegal guardá-las para o uso. Percy guarda sementes de canola há cinquenta anos. A Monsanto abriu um processo para proteger sua propriedade intelectual que foi levada até as plantas dele. As leis protegem a posse do próprio gene, não obstante o modo de condução. Por causa do fluxo de pólen e da contaminação das sementes, os genes da Monsanto estão fortemente presentes na canola canadense.

Percy perdeu a disputa na justiça: foi declarado culpado pelo Tribunal Federal do Canadá, sendo a decisão mantida por uma margem estreita no tribunal de recursos. O Supremo Tribunal do Canadá manteve a decisão por maioria apertada (cinco a quatro), mas sem compensação para a Monsanto. Essa caso assombroso atraiu a atenção para os problemas associados à disseminação dos cultivos GM. Fazendeiros orgânicos de canola em Saskatchewan estão em litígio contra a Monsanto e a outra companhia, a Aventis, por impossibilitarem o cultivo de canola orgânica pelos agricultores canadenses. A Associação Nacional dos Agricultores do Canadá solicitou o embargo temporário de todos os alimentos GM. A questão ultrapassou as fronteiras do país. Quinze países proibiram a importação de canola GM e a Austrália baniu toda a canola canadense devido à contaminação inevitável, tornada óbvia pelo caso judicial da Monsanto. Os fazendeiros estão preocupados por correrem o risco de serem responsabilizados, assim como os consumidores, com relação à escolha. Vinte e quatro estados americanos propuseram ou aprovaram leis diversas para bloquear ou limitar produtos GM específicos, atribuir responsabilidade pelo fluxo aéreo de GM aos produtores de sementes, defender o direito dos fazendeiros de guardar sementes e exigir que os rótulos de sementes e produtos alimentícios indiquem ingredientes GM (ou então a sua ausência, com os rótulos "não contém GM").

O governo dos Estados Unidos (sempre tratando com carinho os interesses empresariais) tomou providências para driblar essas medidas pró-consumidor. Em 2006, o Congresso aprovou a Lei da Uniformidade Nacional de Alimentos, que derrubaria mais de duzentas leis estaduais de rotulagem e de segurança dos alimentos que diferem das federais. Dessa forma, prevaleceria a proteção mais débil ao consumidor (embora sejam uniformemente débeis). Aqui está uma dica sobre quem apoiou e de fato se beneficia dessa lei: o Instituto Americano de Comida Congelada, ConAgra, Cargill, Dean Foods, Hormel e a Associação Nacional de Criadores de Gado. Ela foi contestada pela Associação dos Consumidores, Sierra Club, Associação de Cientistas Preocupados, Centro de Segurança dos Alimentos e por 39 procuradores-gerais estaduais. Manter as patas "intelectuais" da GM longe de nossos corpos e de nossa terra é responsabilidade dos consumidores que exigem informações completas sobre o que contém nossa comida.

Para obter outras informações, visite www.biotech-info.net ou www.organicconsumers.org

Por Steven L. Hopp

2 comentários:

  1. Há mais tempo postei uma matéria no meu blog a respeito da canola canadense - afinal, a canola foi, durante um tempo, e depois de muita "divulgação"(???), considerada o grão mais "saudável" para se fabricar óleos comestíveis.
    A questão, Juliana, é que ainda não existe entre a população em geral uma preocupação, um comprometimento com a qualidade e a origem do que se come. A rigor, as pessoas, hoje em dia, estão mais preocupadas com 'comidas que prometem milagres para o emagrecimento imediatista'. Sabemos que isso não existe e que prevenir a obesidade e outras mazelas passa por uma mudança radical nos hábitos de vida. Só que é difícil e, por isso ninguém quer. Como eu já tive câncer de mama, uma parte dos meus seguidores no blog são pessoas que passaram por problemas semelhantes e eu fico batendo, martelando mesmo, na tecla das escolhas alimentares e de uma nova perspectiva de vida. Para isso, é preciso uma atitude consciente, muuuuuita, mas muuuuuita leitura da informação contida nas embalagens de produtos, a busca por selos de certificação de "comida saudável", ou seja, demanda uma escolha 'slow', sem pressa, de amor por si mesmo. E um compromisso maior, uma visão macro: afinal quem se preocupa com o que come está também preocupado com o planetinha azul, com a pureza das águas, como o banimento de substâncias nocivas à vida, com as futuras gerações.
    Para isso, só muita coragem e persistência, para o enfrentamento com as grandes corporações, como a Monsanto, que você citou. Mas se cada um fizer o seu 'deverdecasa', a soma de todos os pequenos esforços se tornará um grande esforço em direção às mudanças. Perdoe-me pelo comentário tão longo, mas este assunto mexe comigo, porque gosto de cozinhar a minha própria comida e saber de onde vêm os ingredientes, a procedência daquilo que vai virar e manter a Angela - e os seus - após cada refeição.
    Um beijo pra você, querida.
    http://noticiasdacozinha.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Angela, seus comentários são sempre preciosos e, por favor, nunca economize palavras. Use o espaço que quiser e precisar. Concordo plenamente com você. A lista de ingredientes de quase qualquer coisa industrializada, hoje em dia, é uma loucura. E a gente come normalmente, sem pensar que, como você disse, aquilo vira a gente depois! A industrialização trouxe um monte de coisas boas ao mundo, sem dúvida, mas precisamos ter cuidado e conhecimento na hora das escolhas, porque muitas coisas estão se mostrando ruins, sem dúvida.
    Obrigada sempre, e um beijo grande,
    Juliana.

    ResponderExcluir

Muito obrigada por comentar.
E se você não tem um blog nem um endereço no gmail, para enviar seu comentário basta clicar na opção "anônimo", logo abaixo da caixa de texto. Mas, por favor, assine seu nome.